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Quando robôs fizerem todo o trabalho, o que sobrará para os seres humanos?

Ji Shisan*

19/12/2015 06h00

Bem-vindo à era da inteligência híbrida humanos --IA--, onde pessoas e sistemas de inteligência artificial trabalham juntos sem problemas.

Imagine a cena do filme "Aliens, o Resgate", de 1986, quando Sigourney Weaver veste um tipo poderoso de armadura humanoide semi-robótica para enfrentar a rainha alienígena — é mais ou menos aí onde estamos hoje. (Algumas empresas no mundo todo estão desenvolvendo versões desses dispositivos para uso médico e industrial, e alguns já estão no mercado.)

Porém, é online que fica mais difícil distinguir entre homem e máquina.

A Associated Press está usando o software da Automated Insights para produzir milhares de artigos sobre lucros anuais de empresas, liberando funcionários para outras funções. Os seres humanos expandem e editam alguns artigos mais importantes.

O assistente virtual do Facebook, o M, introduzido na área da Baía de San Francisco em 2015, usa IA para responder a perguntas de usuários, mas os humanos examinam as respostas para melhorá-las.

O Watson da IBM é usado em alguns hospitais nos Estados Unidos para determinar o melhor curso de tratamento para pacientes individuais com câncer. O Watson analisa a informação genética e a literatura médica e fornece sugestões para os médicos responsáveis.

Os seres humanos supervisionam esses programas de IA e tomam as decisões finais, mas trabalhadores de escritórios estão compreensivelmente começando a se preocupar com o dia em que não serão mais necessários.

Não entre em pânico: embora a revolução da IA esteja em andamento, é pouco provável que irá eliminar muitos postos de trabalho dentro dos próximos cinco a dez anos. Atualmente, a pesquisa e a utilização de IA têm tarefas-alvo específicas, como análise de dados ou reconhecimento de imagem, enquanto a maioria dos empregos exige que os funcionários tenham uma ampla gama de habilidades.

No entanto, acho que é importante entender por que o mercado de trabalho vai mudar. Houve avanços importantes em IA nos últimos anos, especialmente na área conhecida como aprendizado profundo.

Em vez de dizer a um computador exatamente como fazer uma tarefa com uma programação passo a passo, os pesquisadores que empregam o sistema de aprendizado profundo se afastam e permitem que a máquina use técnicas tais como reconhecimento de padrões e tentativa e erro para aprender sozinha — técnicas que os humanos usam.

Para ser claro, "inteligência artificial" não significa que essas máquinas são conscientes como as retratadas na ficção científica; apenas que, quando recebem mais dados, podem desempenhar melhor uma tarefa.

Uma equipe de pesquisadores do Google anunciou um avanço no aprendizado de máquina em 2012. Eles criaram uma rede de 16 mil núcleos de computador que usou parcialmente um modelo do cérebro humano, com um bilhão de conexões entre neurônios simulados. Os pesquisadores forneceram 10 milhões de imagens à IA durante três dias e, sem supervisão, ela aprendeu sozinha a reconhecer categorias como corpos humanos e — a favorita da internet — gatos. 

Em 2015, um grupo da DeepMind, uma empresa adquirida pelo Google, publicou uma pesquisa mostrando que uma rede neural havia recebido as mesmas informações sobre dezenas de jogos da Atari dos anos 70 e 80 às quais um ser humano tem acesso — os pixels e a pontuação — e acabou se tornando um especialista em algum deles sem ter tido qualquer instrução prévia nem conhecimento das regras dos jogos.

Conforme a tecnologia vai melhorando, damos aos sistemas de IA mais e mais trabalho para fazer, assim como fizemos com os computadores em seus primórdios. Em 2014 e 2015, o Skype introduziu a tradução simultânea em inglês, francês, alemão, italiano, mandarim e espanhol.

A Siri da Apple, a Alexa da Amazon e a Cortana da Microsoft são todas assistentes digitais que podem executar comandos básicos, tais como listas de tarefas, tocar música e rastrear voos. O Google está testando carros que se dirigem sozinhos e pretende trazê-los ao público nos próximos quatro anos.

É verdade que alguns setores podem experimentar uma desaceleração na contratação quando a IA assumir partes específicas dos postos de trabalho, liberando os trabalhadores para outras tarefas.

Consultores financeiros e agentes de seguros já adotaram programas de IA que, respectivamente, fazem recomendações para gerenciamento de portfólio e monitoramento de fraudes. Essa eficiência pode significar que novos candidatos a empregos serão recusados conforme o número de pessoas necessárias para uma determinada função diminua.

Porém, a história mostra que o emprego geralmente se recupera após uma revolução tecnológica — embora a direção que tome possa ser inesperada. Há muito debate sobre os problemas que podem ser gerados pela revolução da IA, mas estou otimista de que novos postos de trabalho irão substituir os antigos em áreas que nem mesmo imaginamos ainda, assim como o emprego evoluiu após a Revolução Industrial. Não culpamos o motor a vapor ou os tratores e máquinas de costura pelo desemprego atual.

A IA já criou novas oportunidades. Pense em um serviço como o da Magic, uma startup de entrega baseada em SMS que atende clientes em qualquer lugar nos EUA. A ideia da Magic é que um usuário possa receber qualquer coisa que pedir por mensagem de texto, através do esforço coordenado de seres humanos e da IA. Na China, startups semelhantes empregam centenas de funcionários de serviço ao cliente para atender às várias necessidades de quem liga — embora seja possível que assistentes digitais possam um dia substituir a "inteligência de manual".

Muita gente pode decidir voltar para a escola para aprender novas habilidades nesses campos emergentes. Podemos também ver um aumento do interesse em trabalhos que exigem uma ampla gama de habilidades e intuição humana, tais como enfermagem, cuidados infantis e vendas. Inúmeros cursos on-line abertos, como os oferecidos na plataforma que fundei, já ajudaram milhões de pessoas ao redor do mundo a aprender, e podemos esperar que profissionais busquem com maior frequência uma formação complementar ao tentar ficar à frente da concorrência.

É bem provável que países desenvolvidos sofrerão mudanças mais drásticas — em algumas economias, o setor de serviços representa mais de 70% do PIB (Produto Interno Bruto).

Nos países em desenvolvimento, o impacto sobre os trabalhadores de escritórios provavelmente não será imediata, devido à adoção mais lenta da tecnologia de IA, porém essas regiões podem experimentar um declínio no trabalho de manufatura com os avanços na área de robótica. Isto parece preocupante apenas porque não prevemos os novos postos de trabalho que vão trazer essas tecnologias e os novos negócios que surgirão, como sempre acontece. O futuro ainda é promissor graças à nossa criatividade — nossa característica especial.

Em julho, uma carta aberta de mais de mil pesquisadores de IA e robótica e outras figuras proeminentes — Elon Musk, Stephen Hawking e Steve Wozniak entre eles — advertiu contra seu uso na guerra e pediu a proibição de armas autônomas. Nem mesmo essa tecnologia está tão avançada quanto os robôs sencientes vislumbrados nos filmes de 2015 "Ex Machina – Instinto Artificial" ou "Chappie".

Esses filmes imaginam uma IA "forte" ou generalizada, e capaz de realizar quase todas as atividades humanas, em oposição à IA "fraca" ou limitada, especificamente para uma tarefa.

Ninguém pode dizer se a IA forte será criada e, em caso afirmativo, quando isso ocorrerá. Perguntei a alguns cientistas chineses sobre isso e, por causa de suas respostas, até parecia que eu estava perguntando sobre a possibilidade de vida alienígena.

Seria um mundo em que talvez até mesmo os postos de cuidados infantis estariam ameaçados, mas ainda bem que temos muitos anos até a aurora dos robôs com IA forte. Nesse futuro, talvez não precisemos trabalhar muito para nos sustentar. Os robôs estarão fazendo a maioria do trabalho, e teremos tempo livre para explorar o que é ser humano.

*Ji Shisan é o pseudônimo usado por Ji Xiaohua, escritor de ciência e PhD em Neurobiologia, em suas publicações há anos. Ele é o fundador do Guokr.com e Guokr MOOC Academy, um popular site de ciência e uma plataforma MOOC na China, e fundador da Zaih.com, uma plataforma de serviços que ajuda os usuários a se conectarem com especialistas em diferentes áreas