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Um eclipse que iluminou o conhecimento sobre o Universo

Richard Bouhet/AFP
Imagem: Richard Bouhet/AFP

Dennis Overbye

13/08/2017 04h00

Jogar pinball cósmico é assim. Tudo se move e às vezes se alinha. E em dado momento você se pega observando o círculo negro que é a sombra da lua, um buraco súbito no céu durante um eclipse solar total.

Tais momentos deixam suas marcas na consciência humana – como os monólitos no clássico filme "2001: Uma Odisseia no Espaço” – desde antes dos registros históricos.

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Evento confirmou a previsão de Einstein em relação a sua teoria da relatividade

Poucos eclipses tiveram mais impacto na história moderna do que o ocorrido em 29 de maio de 1919. Mais de seis minutos de escuridão em toda a América do Sul atravessando o Atlântico até a África.

Foi durante esse eclipse que o astrônomo britânico Arthur Eddington verificou que os raios de luz de estrelas distantes tinham sido deslocados de seus caminhos pelo campo gravitacional solar.

Essa constatação reafirmou a previsão teórica de Einstein da relatividade geral, atribuindo à gravidade uma deformação na geometria do espaço-tempo. Ela seria capaz de curvar até feixes de luz: "Luzes entortadas nos céus", lia-se em uma manchete no jornal.

O relatório de Eddington fez de Einstein uma das primeiras celebridades do século XX e marcou o início de uma nova visão da dinâmica do Universo, um mundo no qual espaço e tempo poderiam balançar, crescer, entortar, encolher, se rasgar, colapsar em buracos negros e até mesmo desaparecer.

As ramificações de sua teoria ainda se desdobram; há apenas dois anos, uma ondulação do espaço-tempo– ondas gravitacionais produzidas pela colisão de buracos negros – foi descoberta.

O primeiro passo para prová-la não foi fácil. O modo pelo qual a descoberta se deu ilustra que até mesmo os avanços mais fundamentais da ciência podem ser reféns da sorte e às vezes de uma inspiração divina.

Primeira Guerra Mundial atrapalhou

O desvio da luz pela gravidade foi a previsão mais impressionante e óbvia da teoria de Einstein. Astrônomos tentavam detectar o efeito em eclipses solares desde antes do fim da formulação de sua teoria. Contudo, natureza e política nem sempre colaboraram.

Um dos pioneiros nas tentativas foi Erwin Finlay-Freundlich, astrônomo do Observatório de Berlim, que se tornou um grande incentivador de Einstein. Freundlich liderou uma expedição à Crimeia em 1914 para observar um eclipse, mas com o repentino início da Primeira Guerra Mundial, foi preso como espião antes que o eclipse acontecesse.

Uma equipe do Observatório de Lick, na Califórnia, conseguiu chegar para observar o eclipse na Crimeia –, mas choveu.

"Devo confessar que nunca havia enfrentado uma situação onde tudo foi arruinado pelas nuvens", disse William W. Campbell, líder da frustrada equipe. "Qualquer um nessa situação desejaria voltar para casa sem ser notado por ninguém".

Pior, a câmera especial de Lick para o eclipse foi apreendida pelos russos e não foi devolvida a tempo do próximo eclipse, na Venezuela, em 1916.

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Imagem: Daniel Irungu/EFE

A outra grande oportunidade para provar que Einstein estava correto apareceu em 1918, quando a sombra da lua foi detectada exatamente acima do rio Columbia, entre Washington e Oregon. Lick enviou outra equipe de observadores, mas sua câmera ainda não voltara da Crimeia e o instrumento óptico improvisado por eles falhou, deixando as estrelas parecendo halteres distorcidos enquanto a escuridão surgiu.

Assim, em março de 1919, o universo ainda estava disponível quando Eddington e seus colegas zarparam para a África para observar o próximo eclipse. Astronomicamente, as perspectivas eram as melhores possíveis.

Durante o eclipse, o Sol passaria diante de um grande aglomerado de estrelas conhecido como Híades, haveria luz suficiente para se enxergar o desalinhamento delas.

Eddington era o homem certo para o trabalho. Prodígio matemático e professor de Cambridge, ele foi convertido logo no início à nova teoria de Einstein, e a expunha com entusiasmo a seus colegas e compatriotas.

Havia uma história dizendo que, certa vez, ele foi elogiado por ser uma das três únicas pessoas no mundo a compreender tal teoria. Censurado por falsa modéstia quando não esboçou resposta, Eddington retrucou que, pelo contrário, ele estava apenas pensando quem seria a terceira pessoa.

A relatividade geral era tão obviamente verdadeira que, mais tarde, ele disse que, se dependesse dele, não teria perdido tempo tentando prová-la.

Mas não dependia dele, devido a uma peculiaridade histórica. Eddington também era um quaker e havia se recusado a servir ao exército. Seu chefe, Frank Dyson, astrônomo da corte real britânica, salvou Eddington da prisão pela promessa de que ele realizaria uma importante tarefa científica, ou seja, a expedição para testar a teoria de Einstein.

Fenômeno da lente gravitacional provoca aparecimento de anel em torno de objeto massivo com corpos celestes alinhados - Nasa - Nasa
Fenômeno da lente gravitacional provoca aparecimento de anel em torno de objeto massivo com corpos celestes alinhados
Imagem: Nasa

Eddington também tinha esperança de ajudar a reunir a ciência europeia, despedaçada pela guerra. Os alemães foram essencialmente banidos de conferências. Agora, um inglês se lançava na empreitada de tentar provar a teoria de um alemão, Einstein.

De acordo com a versão final de Einstein da teoria, concluída em 1915, enquanto os raios de luz se curvavam em torno do sol durante um eclipse, as estrelas que apenas tocavam o Sol deveriam aparecer desviadas de suas posições normais por um ângulo de cerca de 1,75 segundos de arco, cerca de um milésimo da largura de uma lua cheia.

De acordo com a ultrapassada teoria da gravidade newtoniana, a luz estelar deveria desviar apenas metade dessa razão, 0,86 segundos, enquanto passava pelo sol durante um eclipse.

Um segundo de arco é o tamanho de uma estrela, como ela aparece a olho nu sob a melhor e mais tranquila condição de um observatório no alto da montanha. Mas a turbulência atmosférica e as exigências ópticas frequentemente borram esses astros, transformando-os em manchas maiores.

Assim, o trabalho de Eddington era verificar se um monte de borrões se deslocaria de seu centro na quantidade que Einstein previu, ou na metade desse montante – ou se simplesmente não haveria deslocamento. Era Newton contra Einstein.

Sem pressão aí.

E se Eddington medisse duas vezes a deflexão de Einstein? Edwin Cottingham, um dos astrônomos da expedição, fez tal pergunta a Dyson. "Eddington vai ficar maluco e você voltará sozinho para casa", Dyson respondeu.

Teste da teoria da relatividade chegou no Brasil

Para melhorar as chances de sucesso, duas equipes foram enviadas: Eddington e Cottingham foram para a Ilha do Príncipe, próxima da costa oeste africana. E Charles Davidson e Andrew Crommelin foram mandados a Sobral, sertão do estado do Ceará, no Brasil. A estratégia contra falhas quase não funcionou.

Sobral, no interior do Ceará, foi um dos locais de observação para provar teoria da relatividade - Eduardo Anizelli/Folhapress - Eduardo Anizelli/Folhapress
Sobral, no interior do Ceará, foi um dos locais de observação para provar teoria da relatividade
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress

Em Sobral, o tempo estava muito nublado, mas uma clareira nas nuvens se abriu apenas durante um minuto antes da totalidade, no momento em que a lua eclipsava o Sol totalmente. Em Príncipe, choveu por uma hora e meia na manhã do eclipse e Eddington tirou fotos através das nuvens fugazes, esperando que algumas estrelas aparecessem.

Algumas estrelas borradas ficaram visíveis em duas de suas chapas fotográficas. Um exame preliminar de Eddington convenceu-o de que a posição delas havia mudado durante o eclipse. Virou-se para seu colega e disse:"Cottingham, você não vai ter que voltar sozinho para casa".

Ao final, havia três conjuntos de chapas onde era possível medir a deflexão da luz das estrelas. O modo como Eddington e seus colegas as manipularam e compararam selou o destino da teoria de Einstein.

Os melhores dados foram captados por um telescópio irlandês em Sobral. As imagens indicaram uma deflexão de 1,98 segundos de arco – mais do que Einstein havia predito.

Outro telescópio em Sobral, conhecido como astrógrafo, também produziu muitas imagens de estrelas, mas que ficaram turvas e fora de foco, talvez pelo fato do calor do sol ter afetado o espelho do telescópio.

As imagens deram um valor de 0,86 de deflexão, em consonância com a fórmula de Newton, mas com grandes incertezas.

Finalmente, havia o telescópio de Príncipe, que gravou apenas um punhado de estrelas, das quais Eddington heroicamente derivou uma leitura de 1,61 segundos de arco.

Qual resultado Eddington deveria utilizar? Se obtivesse a média de todos os três, acabaria em um infeliz meio-termo entre Newton e Einstein.

Se dependesse apenas do resultado do melhor telescópio, como os astrônomos e historiadores John Earman e Clark Glymour apontaram em um influente ensaio de 1980, o resultado de 1,98 colocaria dúvidas sobre a teoria da relatividade geral de Einstein.

Ao final, Eddington acabou jogando fora os dados do astrógrafo de Sobral, alegando que não eram confiáveis. Ambas as placas restantes "apontam para uma deflexão total de 1".75 que Einstein colocara em sua teoria da relatividade", escreveram Dyson e seus colegas no relatório oficial.

"Mamãe querida, hoje tenho alegres notícias", escreveu Einstein ao ficar sabendo do resultado.

Houve trapaça?

Desde então, astrônomos e historiadores têm questionado se a crença de Eddington, a de que ele já tivesse uma resposta, levou-o a trapacear na análise do eclipse ao deixar de fora o resultado dado pelo astrógrafo.

Em 2007, no entanto, Daniel Kennefick, astrofísico e historiador da Universidade do Arkansas, concluiu após longo estudo dos registros da expedição do eclipse que foi Dyson, o astrônomo real, que decidiu excluir os resultados do astrógrafo. Dyson era conhecido, inclusive, por ser cético em relação à nova teoria de Einstein.

Eddington e Dyson tinham razão. O experimento foi repetido durante um eclipse em 1922 e em muitos outros ao longo dos anos, sempre com o mesmo resultado de Einstein. Com avanços tecnológicos, hoje em dia até mesmo pequenas universidades podem fazer as observações necessárias para alcançar tal resultado.

Durante o eclipse previsto para este mês, Bobby E. Powell, físico na Universidade de West Georgia, realizará a experiência com seus alunos em um local próximo à Lexington, Kentucky. Ele está em apenas uma das mais de seis universidades que farão o mesmo experimento. Powell pretende desenvolver um manual de laboratório destinado a pessoas ou escolas que queiram realizar a empreitada durante o próximo eclipse no céu dos EUA, em abril de 2024.

Nos tempos atuais, algumas das medidas mais precisas da distorção da luz foram feitas a partir de observações de galáxias distantes pela radioastronomia. Em 2009, Edward Fomalont, do Observatório Nacional de Radioastronomia em Charlottesville, Virgínia, e seus colegas utilizaram um conjunto de antenas, conhecido como Very Long Baseline Array (VLBA) para obter resultados que dessem maior suporte às previsões de Einstein para 0,02%.

Telescópio - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Os astrônomos aprenderam a utilizar as habilidades de distorção e amplificação da luz de imensas galáxias como telescópios – quase como o próprio telescópio de Einstein – para estudar estrelas que explodem do outro lado do cosmos e mapear a misteriosa matéria escura que permeia o universo.

Em novembro de 1919, as notícias do triunfo de Einstein foram anunciadas ao mundo com a devida pompa durante uma reunião conjunta da Royal Society e da Royal Astronomical Society, em Londres.

Presidindo a reunião, estava o físico J.J. Thomson, que declarou a relatividade geral como uma das maiores conquistas da humanidade, descrevendo-a "como todo um continente de fatos científicos inéditos". Os buracos negros e o Big Bang ainda estariam reservados para o futuro.

De fato, o que emergiu da sombra da lua naquele dia de maio salpicado de nuvens foi um universo inteiramente novo.