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Trump tira dinheiro da Nasa, e reduz esperanças de comprovar a energia escura

Uma imagem do Observatório de Raios X  mostra o remanescente de uma supernova observada na Via Láctea, um dos marcadores cósmicos de quão rápido o universo se expande - Chandra X-Ray Observatory/Nasa
Uma imagem do Observatório de Raios X mostra o remanescente de uma supernova observada na Via Láctea, um dos marcadores cósmicos de quão rápido o universo se expande Imagem: Chandra X-Ray Observatory/Nasa

Dennis Overbye

Do New York Times

17/03/2018 04h00

Uma missão de quase 20 anos que pretendia buscar uma resposta à pergunta mais premente e desconcertante da astronomia – e talvez elucidar o destino do Universo – corre o risco de ser cancelada.

O Telescópio Infravermelho de Pesquisa de Campo Amplo, ou WFIRST, estava sendo projetado para investigar a misteriosa força chamada de energia escura, que está acelerando a expansão do universo, e procurar planetas ao redor de outras estrelas.

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Em 2010, um painel de especialistas da Academia Nacional de Ciências, encarregado de traçar o futuro da astronomia, deu prioridade máxima à missão para os próximos 10 anos. De acordo com o planejado, ele poderia ser lançado em meados da década de 2020, a um custo de US$3,2 bilhões.

Mas ela foi excluída do orçamento da NASA proposto pelo presidente Donald Trump no último mês.

Em uma declaração que acompanha o orçamento, Robert M. Lightfoot Jr., atual administrador da agência, classificou a exclusão de "decisão difícil", citando a necessidade de desviar recursos para "outras prioridades". A NASA está voltando seu foco para a Lua.

Ninguém tem a ilusão de que a proposta de orçamento do presidente seja a última palavra em qualquer assunto. O Congresso, que geralmente dá ouvidos às recomendações da academia, terá a última palavra em uma dança da qual participam muitas missões da agência, incluindo o telescópio espacial Hubble. Como costumam dizer os cientistas do Laboratório de Propulsão a Jato, lar de muitas missões: "Só é uma missão de verdade quando for cancelada".

O cancelamento proposto gerou um clamor entre os astrônomos, que advertiram que o retrocesso na missão seria um passo atrás no tipo de ciência que fez a grandeza dos EUA, e colocaria em risco projetos futuros que, como este, necessitam de ajuda internacional. Houve comparações com o cancelamento do Supercolisor Supercondutor, que acabou com a supremacia americana na física de partículas.

David Spergel, ex-presidente do Conselho de Estudos Espaciais da academia, mencionou que, no planejamento de seus próprios programas, outros países dependiam dos EUA, pois seguem o conselho da Academia Nacional.

Muitos burocratas e gente de fora da NASA, continuou ele, anularam décadas de processos orientados pela comunidade e tentaram definir a direção da astronomia espacial.

Os astrônomos anseiam por uma missão para investigar a energia escura desde 1998, quando as observações de explosões de estrelas conhecidas como supernovas indicaram que a expansão do universo estava se acelerando, as galáxias distantes se afastando de nós ainda mais rápido com o passar do tempo cósmico. É como se, quando você largasse sua chave do carro, ela fosse arremessada para o teto.

Foto da Nasa mostra Robert Lightfoot Jr., administrador em exercício, falando sobre o orçamento proposto da agência espacial para 2019, no Marshall Space Flight Center em Huntsville - Bill Ingalls/NASA via The New York Times - Bill Ingalls/NASA via The New York Times
Foto da Nasa mostra Robert Lightfoot Jr., administrador em exercício, falando sobre o orçamento proposto da agência para 2019, no Marshall Space Flight Center
Imagem: Bill Ingalls/NASA via The New York Times
A descoberta garantiu o prêmio Nobel a três astrônomos americanos. Segundo cientistas, o destino do universo e os fundamentos da física dependem da natureza da energia escura.

Os físicos têm uma explicação pronta para esse comportamento, mas, para eles, é como a cura que é pior que a doença: no caso, um fator de correção inventado por Einstein em 1917, chamado de constante cosmológica. Ele sugeriu, e a teoria quântica confirmou posteriormente, que o espaço vazio poderia exercer uma força repulsiva, uma antigravidade, separando as coisas.

Se for mesmo assim, conforme o universo cresce, deve se expandir cada vez mais rápido e fugir de si mesmo; outras galáxias acabariam indo embora tão rapidamente que não conseguiríamos vê-las; o universo se tornaria escuro e frio. O cosmologista Lawrence Krauss, da Universidade Estadual do Arizona descreveu a possibilidade como "o pior universo possível".

Se, por outro lado, um campo de força anteriormente desconhecido estiver mexendo com as galáxias e o espaço-tempo, seu efeito poderia ser bloqueado ou até mesmo revertido em éons futuros.

Ou talvez não entendamos muito bem a gravidade.

A energia escura, disse Frank Wilczek, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e laureado com um Nobel, "é o fato mais misterioso em toda a ciência física, aquele com o maior potencial para balançar os alicerces".

Os astrônomos que fizeram essa descoberta usaram as explosões das estrelas, conhecidas como supernovas Tipo 1a, como marcadores de distância cósmica para controlar a taxa de expansão do universo.

Desde então, outras ferramentas surgiram para que se pudesse medir a energia escura pelo modo em que ela retarda o crescimento das galáxias e outras estruturas no universo.

Em 1999, Saul Perlmutter, do laboratório Lawrence Berkeley, um dos descobridores da energia escura, propôs uma missão espacial conhecida como SNAP (Supernova Acceleration Probe) para fazer exatamente isso.

Em 2008, a NASA e o Departamento de Energia orçaram uma missão em US$600 milhões, não incluindo custos de lançamento, e houve a abertura para a apresentação de propostas, mas a agência e o departamento tiveram dificuldades na colaboração e um grupo de cientistas trabalhando com a energia escura não conseguiu desenvolver um projeto que se encaixasse no orçamento.

Em 2010, um comitê da Academia Nacional de Ciências reuniu várias propostas concorrentes na tentativa de resolver a questão. Paul Schechter, astrônomo do MIT envolvido no trabalho o chamou de WFIRST, sigla em inglês para Telescópio Infravermelho de Pesquisa de Campo Amplo. A sigla tinha um duplo significado, pois "W" é o nome de um parâmetro crucial que mede a virulência da energia escura. Mas o telescópio também iria procurar por exoplanetas, isto é, aqueles além do nosso sistema solar.

No seu relatório, "Novos Mundos, Novos Horizontes", o comitê deu a essa missão a mais alta prioridade na ciência espacial para a década seguinte.

Mas a NASA não tinha dinheiro para começar o projeto até que fosse concluída a construção do Telescópio Espacial James Webb, o sucessor do Hubble. Logo após as deliberações acadêmicas, a agência espacial admitiu que o projeto Webb havia sido mal administrado. O telescópio, cujo lançamento estava agendado para 2014, exigiria pelo menos mais US$1,6 bilhão e vários anos para ser concluído. O Webb vai pesquisar as primeiras estrelas e galáxias que se formaram no universo, mas não foi projetado para a energia escura. Agora, a previsão de lançamento é o ano que vem.

O WFIRST teve que esperar.

Para retomar o trabalho até 2025 – ou quando a missão americana puder finalmente decolar –, a agência espacial começou a participar de uma missão europeia de energia escura conhecida como Euclides, agora programada para ser lançada em 2021. Só que ela não é tão abrangente quanto o WFIRST seria: as supernovas não serão usadas, por exemplo.

A história passou por outra reviravolta dramática em junho de 2012, quando o Escritório Nacional de Reconhecimento, que opera satélites espiões, ofereceu à NASA um telescópio que estava sobrando – essencialmente, um parente próximo do Hubble, projetado para olhar para baixo, não para acima.

Ele tinha um amplo campo de visão, que poderia permitir a inspeção de grandes áreas em busca de supernovas.

Seu espelho primário – como o do Hubble, com mais de dois metros de diâmetro – é duas vezes maior que o que estava sendo previsto para o WFIRST, dando-lhe um poder de captação de luz quatro vezes maior e um profundo alcance no cosmos.

O presente pouparia a agência do custo de construir um novo telescópio, mas havia senões. Como vários astrônomos salientaram, o uso de um telescópio maior significaria uma câmera maior, mais cara e com uma óptica mais complicada, e que precisaria ser construída. No entanto, a academia aceitou a ideia.

Recentemente, outro elemento controverso foi adicionado à missão: um coronagrafo, usado para bloquear a luz de uma estrela para que planetas mais fracos ao seu redor pudessem ser detectados.

Em meados do ano passado, um painel de revisão independente apontado pela NASA e liderado por Fiona Harrison, professora do Instituto de Tecnologia da Califórnia, aprovou os objetivos científicos básicos e a metodologia da missão, ao mesmo tempo em que pediu cautela na velocidade de desenvolvimento para não estourar o orçamento.

Agora é hora de o Congresso decidir.

Michael Turner, cosmologista da Universidade de Chicago, disse: "Ninguém quer ouvir que alguém importante recomendou o cancelamento de seu projeto favorito, mas acredito que, como no ano passado, o Congresso se responsabilize pelo orçamento. Espero e acredito que tenha o discernimento para tal".