Topo

Cientistas buscam 'Santo Graal' do plástico: um descartável que se autodestrua

O químico Adam Feinberg coloca uma amostra de plástico em luz ultravioleta - Lyndon French/The New York Times
O químico Adam Feinberg coloca uma amostra de plástico em luz ultravioleta Imagem: Lyndon French/The New York Times

Xiaozhi Lim

19/08/2018 04h00

Adam Feinberg havia acabado de fazer uma folha fina de plástico amarelo quando começou a rasgá-la em pequenos pedados.

Ele escolheu um molde em formato de "I" para o logotipo da Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign (EUA), onde trabalha como químico. Então, encheu-o com os pedacinhos de plástico e colocou-o em um forno quente.

"Abri o molde e ali estava aquele lindo 'I' amarelo", conta ele.

Seu novo plástico tinha passado no primeiro teste. Podia ser moldado com o calor como um plástico comum. Havia outro passo importante, porém, no caminho de repensar o mundo de plásticos duráveis.

Feinberg colocou o "I" sob uma luz branca e, cinco minutos depois, apenas metade dele permanecia ali. A outra metade havia caído no chão.

Quando juntou as duas partes, o "I" tinha um buraco no meio e em seu lugar havia uma gosma amarela.

O plástico não havia apenas derretido. Seus blocos de formação, os polímeros sintéticos dentro dele, tinham se revertido a suas unidades moleculares. "Foi uma sensação fenomenal", conta ele sobre o sucesso da experiência.

A maioria dos polímeros sintéticos não é projetada para desintegrar ou desaparecer. Ao contrário, eles foram feitos para durar o máximo de tempo possível desde que começaram a substituir metais e vidros em coisas duradouras, como automóveis e aviões.

Os polímeros sintéticos, no entanto, tornaram-se tão populares e adaptáveis que, décadas mais tarde, são a raiz do problema dos bilhões de toneladas de resíduos plásticos do planeta. Os mais recentes vilões das campanhas ambientais são os produtos descartáveis desse material formados de polímeros sintéticos: canudos, filtros de cigarros, tampas de copos de café etc.

Adam Feinberg segura amostra criada em laboratório nos EUA - Lyndon French/The New York Times - Lyndon French/The New York Times
Adam Feinberg segura amostra criada em laboratório nos EUA
Imagem: Lyndon French/The New York Times

Canudos, um grande vilão

Durante as últimas décadas, esse descompasso entre o material e a vida útil do produto causou o acúmulo de resíduos plásticos em aterros sanitários e no meio ambiente, muitos vagando nos oceanos até que uma grande quantidade chegue ao fim do mundo e pedaços sejam ingeridos por integrantes da vida marinha.

Muito pouco é reciclado. Na verdade, estimativas indicam que apenas 10% de todo o plástico é reciclado todos os anos.

A União Europeia propôs uma proibição de plásticos de uso único, procurando cortar a produção de itens que incluem de equipamentos de pesca a cotonetes. Algumas cidades nos Estados Unidos também vêm tentando coibir o uso de alguns plásticos, entre eles sacolas de supermercado e os onipresentes canudos, que, de repente, se tornaram um símbolo de tudo o que está errado com nossa cultura do descartável.

Os efeitos ambientais do acúmulo de plástico e o declínio de sua popularidade ajudaram a estimular os químicos a procurar novos materiais com dois requisitos conflitantes: eles precisam ser duráveis, mas facilmente degradáveis. Ou seja, os cientistas então buscando polímeros ou plásticos com um mecanismo interno de autodestruição.

"São dois critérios diametralmente opostos que estamos tentando conciliar", conta Feinberg. É fácil moldar um plástico robusto sem destruí-lo, mas, ao mesmo tempo, ele não deve durar para sempre.

"O truque real é fazê-lo estável enquanto está sendo usado e instável quando você não quer usá-lo mais", explica Marc Hillmyer, chefe do Centro de Polímeros Sustentáveis da Universidade de Minnesota (EUA).

Apesar de não ser uma bala de prata para o problema dos resíduos plásticos, os plásticos que se autodestroem também pode permitir novos usos nas aplicações de medicamentos, em materiais que "curam" e mesmo em alguns eletrônicos.

O ponto de partida requer a escolha de polímeros inerentemente instáveis, e em geral os negligenciados por causa de sua fragilidade. Se tiver escolha, suas unidades se aglomerariam sempre em pequenas moléculas. Os cientistas forçam essas moléculas a se unir em cadeias longas e depois prendem os polímeros formados.

Desmantelar esses polímeros algumas vezes é chamado de descompactá-los, porque, assim que eles encontram um gatilho que remova aquilo que os mantêm juntos, as unidades se separam uma após a outra até que os polímeros tenham voltado completamente a ser pequenas moléculas.

"Quando você começa o processo, elas vão em frente", explica Jeffrey Moore, supervisor de Feinberg na Universidade de Illinois.

Os polímeros de Feinberg estavam aprisionados em anéis circulares em vez de se manterem em cadeias abertas. Por si mesmos, os anéis eram estáveis.

Para o plástico autodestrutivo, ele misturou os polímeros com um pouco de corante amarelo sensível à luz. Quando a luz brilha sobre o plástico, as moléculas de corante ficam energizadas e retiram os elétrons dos polímeros. Os anéis se quebram, expondo as extremidades dos polímeros, e eles se descompactam.

Desintegrar rapidamente

Outros cientistas prendem seus polímeros encobrindo as extremidades das cadeias longas ou unindo as cadeias em redes. Ao projetar que esses laços devem se soltar ao encontrar alguns gatilhos, como a luz ou um ácido, os cientistas podem controlar exatamente como e quando seus polímeros vão se descompactar.

"Podemos ter uma grande mudança nas propriedades ou na degradação completa de um polímero apenas a partir de um evento", diz Elizabeth Gillies, química de polímeros da Universidade Ocidental, de London, em Ontário.

A desintegração rápida e sob demanda dá aos polímeros que se descompactam uma vantagem sobre os biodegradáveis, segundo ela, porque a biodegradação em geral é muito lenta e difícil de controlar.

Na teoria, essa nova geração de polímeros pode ajudar a diminuir os problemas de poluição associados aos produtos plásticos. Se as unidades forem coletadas depois de serem descompactadas para fazer novos polímeros, seria possível ter uma reciclagem química. A maior parte da reciclagem feita hoje simplesmente envolve derreter o plástico e remodelá-lo.

"Em minha opinião, esse material tem um potencial imenso. O problema é deixá-lo barato o suficiente e fazer com que as propriedades sejam bastante competitivas para que se tornem úteis e tenham penetração no mercado para o consumidor", diz Hillmyer.

Economicamente, não é viável substituir os polímeros mais usados, como o polietileno (sacos de supermercado), o polipropileno (redes de pesca) ou o politereftalato (garrafas de uso único) por polímeros que se descompactam.

"Embalagens de plásticos são as coisas mais baratas do mundo", afirma Gillies.

Em vez disso, os cientistas como Hillmyer estão se concentrando em materiais de valor mais alto, como as espumas de poliuretano encontradas em colchões e assentos de carros.

Em 2016, Hillmyer e sua equipe fizeram um poliuretano quimicamente reciclável a partir de polímeros descompactáveis. Unidades moleculares derivadas do açúcar foram ligadas para formar os polímeros, que então se interligaram em redes de poliuretano. A espuma permanece estável a temperaturas normais, mas se descompacta se aquecida a mais de 200ºC.

O uso de materiais recicláveis quimicamente pode se tornar prático, especialmente se as empresas começarem a assumir responsabilidade por seus produtos depois de sua vida útil, explica Hillmyer.

Ele é um dos fundadores da startup Valerian Materials que comercializa o poliuretano reciclável. Se as montadoras de automóveis tivessem que pegar de volta um carro usado, por exemplo, talvez fizesse sentido ter um sistema interno de reciclagem química para produzir novos materiais a partir dos velhos, comenta ele.

"É literalmente uma recuperação de matérias-primas", afirma Jeannette Garcia, química de polímeros da IBM.

Polímeros que se descompactam também podem produzir adesivos capazes de ser desativados. Isso ajudaria a separar objetos complexos e materiais como brinquedos ou superfícies de fórmica em seus componentes individuais para reciclagem. "Fazemos um trabalho horrível na hora de reciclar laminados, compostos e mesmo eletrônicos", explica Scott Phillips, químico de polímeros da Universidade Estadual Boise.

Phillips e Hyungwoo Kim, que agora está na Universidade Nacional Chonnam, na Coreia do Sul, lançaram uma pequena quantidade de polímero que se descompacta em um polímero barato comum.

Sozinho, nenhum polímero é pegajoso. Mas, quando são misturados, eles se interligam em redes, tornando-se uma gosma cinza grudenta. Para desfazer esse efeito adesivo, Phillips e Kim aplicaram fluoreto nas bordas de duas lâminas de vidro e as grudaram. As lâminas se soltaram em questão de minutos.

Ter polímeros que se descompactam e produtos totalmente recicláveis é um passo além, mas os consumidores ainda precisam fazer sua parte. "A poluição existe porque o material não é coletado", diz Steve Alexander, chefe da Associação de Recicladores de Plástico.

"Se você não conseguir separar da maneira correta o que quer que seja, aquilo será apenas lixo." Recolher e separar ainda são o maior problema para quem recicla, afirma ele.

Cientistas - Lyndon French/The New York Times - Lyndon French/The New York Times
A partir da esq., os cientistas Evan Lloyd, Oleg Davydovich, Adam Feinberg, Edgar Mejia e Sydney Butikofer
Imagem: Lyndon French/The New York Times

A chave, segundo Ramani Narayan, químico de polímeros da Universidade Estadual do Michigan, é ter ambientes de descarte claros e bem definidos para qualquer objeto que tenha chegado ao fim de sua vida útil.

Indiscutivelmente, plásticos biodegradáveis também possuem um mecanismo de autodestruição, desde que acabem no lugar certo com o tipo específico de micróbios.

Para isso, Narayan está liderando um esforço para a produção de plásticos que possam ser transformados em composto, a começar por utensílios descartáveis e embalagens de alimentos de sua empresa, a Natur-Tec. O composto poderia redirecionar não apenas os plásticos de uso único associados à comida, mas também o desperdício de alimentos.

"Ao usar a palavra 'compostável', definimos o ambiente", diz ele, e isso, para os consumidores que estão procurando a lixeira certa, é muito importante.

Além de reciclar, os polímeros que se descompactam podem permitir novos usos como entrega de medicamentos e materiais que "curam" automaticamente, segundo Moore.

Embora a produção de implantes biomédicos autodestrutivos ou eletrônicos ainda seja algo do futuro, cientistas como Gillies já estão fazendo embalagens inteligentes com polímeros que se descompactam. Não para carregar mercadorias, mas para coisas úteis como medicamentos de câncer que podem ser liberados nos tumores ou fertilizantes ativados apenas quanto forem necessários no campo.

Para esses usos, as unidades precisam ser seguras e benignas. Um candidato em potencial é o glioxilato, segundo Gillies, uma molécula que existe naturalmente em microrganismos do solo. A equipe de Gilles produziu polímeros que se descompactam a partir de unidades de glioxilato e os envolveu com materiais diferentes para que pudessem ser implantados em diversas situações.

"Temos uma espinha dorsal universal e podemos apenas mudar a tampa final para fazer com que responda a coisas diferentes", diz Gilles, como luz nos campos ou um ambiente de pouco oxigênio nos tumores.

Para Moore, o objetivo é fazer materiais que possam curar.

Sua ideia é encher minúsculas cápsulas feitas de polímeros que se descompactam com "agentes de cura" e depois embuti-las em revestimentos. Eles poderão responder à luz, diz, de modo que quando o revestimento de um celular quebrar, por exemplo, a luz penetrando na tela provocará a degradação da cápsula. Então, os agentes de cura vão se derramar para preencher as rachaduras. O revestimento ficará automaticamente bom, como se fosse novo, reduzindo a necessidade de obter um novo equipamento.

Enquanto esperamos o surgimento dessa nova geração de polímeros, os plásticos comerciais atuais continuam sendo produzidos em uma escala de 400 milhões de toneladas métricas por ano. E sempre com a intenção de serem fortes, robustos e durarem o maior tempo possível, conta Garcia.

"Projetar polímeros novos será absolutamente importante e necessário", afirma Garcia. Um problema maior, no entanto, segundo ela, é aprender a decompor o legado de polímeros de resíduos de plástico, de uma maneira parecida, em seus componentes. "É quase como procurar o Santo Graal."