Distribuição de emendas parlamentares aumenta desigualdade no Brasil
Congressistas costumam defender a multiplicação do valor que lhes cabe no Orçamento da União dizendo que ninguém melhor do que eles sabe onde o meu, o seu, o nosso deve ser aplicado, pois conhecem a realidade das pessoas e onde elas moram. O argumento parece razoável, mas a estatística sobre as emendas parlamentares ao orçamento mostra que não é bem assim. A distribuição geográfica das emendas é profundamente injusta.
Cada um dos 4.461 moradores do município de Cutias, no Amapá, foi o destinatário indireto de R$ 3.706,10 em emendas de deputados e senadores ao longo de 2024. Foi a maior média per capita entre os 5.570 municípios brasileiros.
No mesmo período, os moradores de um município do mesmo porte, Guzolândia (4.246 habitantes), no estado de São Paulo, não viram nem aqueles dez centavos de emendas parlamentares chegarem à sua cidade. Não estão sozinhos no mirante das mãos abanando, porém.
Os moradores de outros 33 municípios brasileiros também ficaram a ver navios. Nenhum deputado ou senador mandou para lá um centavo dos R$ 30 bilhões de emendas pagas em 2024. Juntos, os sem-emenda somam cerca de 300 mil pessoas.
- Não parece muito comparado ao universo de 220 milhões de brasileiros, mas a injustiça distributiva não se limita a quem não viu a cor do dinheiro. A maior desigualdade está no valor enviado para cada cidade.
- Os 10% de municípios (557) mais aquinhoados com emendas parlamentares em 2024 receberam, em média, dez vezes mais do que os 40% de municípios (2.228) menos aquinhoados:
- Os top 10% receberam em média R$ 1.028 por habitante;
- Os bottom 40% receberam em média R$ 107 por habitante;
- Nos municípios top 10% moram menos de 5 milhões de pessoas;
- Nos municípios bottom 40% moram 151 milhões de pessoas.
Trocando os números em palavras, a distribuição de emendas parlamentares como é feita hoje aumenta a desigualdade no Brasil.
São duas as causas principais dessa distribuição extremamente injusta do dinheiro público via emendas parlamentares:
1) Apadrinhamento político de prefeitos e benefício de currais eleitorais:
Campeã em valor pago de emendas parlamentares por habitante em 2024, Cutias é o segundo menos populoso dos 16 municípios do Amapá. A cidade amarga o pior lugar no ranking em indicadores como salário médio mensal e saneamento básico.
Recebeu R$ 16,5 milhões em 2024. O dinheiro veio basicamente do orçamento secreto (R$ 11 milhões) e do senador Davi Alcolumbre (R$ 3,5 milhões), maior liderança política do estado e favorito a ser o próximo presidente do Senado.
Alcolumbre e o prefeito inauguraram tudo quanto é obra em 2024, ano eleitoral: quadra, escola, pavimentação. Mas não conseguiram fazer o sucessor.
2) Concentração de emendas em estados com poucos municípios:
Roraima tem apenas 15 municípios, mas oito deputados federais e três senadores. Os 11 parlamentares conseguiram que a União pagasse R$ 621 milhões em emendas às 15 prefeituras em 2024:
? média de R$ 41,4 milhões por cidade;
? média de R$ 976 por habitante;
? 3 dos 10 municípios com maior média per capita são de Roraima
Amapá tem 16 municípios e os mesmos oitos deputados federais e três senadores. Os 11 parlamentares conseguiram que a União pagasse R$ 489 milhões em emendas às 16 prefeituras em 2024:
? média de R$ 30,5 milhões por cidade;
? média de R$ 666 por habitante;
? Macapá foi a cidade que mais recebeu dinheiro de emendas do Brasil: R$ 225 milhões, 48% mais do que São Paulo (R$ 153 milhões) e 79% mais do que Belo Horizonte (R$ 126 milhões)
Macapá conseguiu esse feito mesmo sem que o senador Alcolumbre enviasse nenhuma emenda para a capital do estado, que é governada por um prefeito que é seu adversário político.
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