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Trump usa memes genocidas como distração para alcançar poderes ilimitados

Donald Trump já comprou a Groenlândia, anexou o Canadá, tomou o canal do Panamá e transformou Gaza na trumplândia. Os verbos estão conjugados no passado porque, do ponto de vista do velho novo presidente dos EUA, seus objetivos foram alcançados.

O tema é um dos destaques do episódio desta semana do A Hora, podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo, disponível nas principais plataformas. Ouça aqui.

Os absurdos viraram manchetes, alimentaram suas redes, fizeram o mundo pensar o impensável e canalizaram (quase) todas as atenções ao inimaginável. Centenas de milhões cogitaram o impossível. Em suas cabeças, o absurdo virou uma possibilidade.

Trump deve se divertir enquanto come seu Big Mac e toma sua Coca Diet vendo veículos sérios como o The New York Times perderem tempo e energia tentando explicar as dificuldades técnicas de expulsar dois milhões de palestinos de seu território para construir o que ele chamou de "Riviera do Oriente Médio". Equivale a levar a sério um meme. Um meme genocida, mas um meme.

É um truque eficaz porque o meme precisa ser rebatido enfaticamente. Mas a mera consideração do absurdo já é uma vitória para Trump. Ao fazer isso em série, dia sim dia também, ele alarga as fronteiras do seu poder nas mentes de conterrâneos e de estrangeiros. Tudo parece viável, de ir à Marte num foguete usado a mandar milhões de indocumentados para Guantánamo.

Se Trump tudo pode, descumprir a lei impunemente, passa a ser mais do que uma possibilidade. Afinal, ele já tentou dar um golpe de estado e não foi punido por isso.

Enquanto todos estão distraídos com seus memes genocidas, Trump expulsa agentes do FBI e promotores de justiça às pencas, desossa a CIA com programas de demissão voluntária, extingue órgãos de soft power como Usaid, estrangula verbas para ciência e universidades - além de plantar marionetes à frente de todas as instituições governamentais. Em suma, destrói grande parte do estado e privatiza o resto. Vira o CEO da USA.com.

Meme a meme, Trump elimina obstáculos presentes visando poder ilimitado num futuro próximo. Atropelou a oposição no Congresso, desestabilizou a imprensa, intimidou bilionários e projetou nas cogitações de todos um poder ainda maior do que tem de fato. Restam as objeções de um ou outro juiz de primeira instância e os muxoxos de líderes de países que não têm armas nucleares.

Como reagiram os que têm?

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Dos outros quatro países com arsenal atômico e que integram o tratado de não proliferação de armas nucleares, França e Reino Unido são aliados dos EUA. Podem não gostar de Trump, mas dependem dele contra um inimigo atômico comum em seus quintais.

A Rússia de Putin e sua aliança tática com a China (o quarto país com arsenal nuclear oficial) parecem muito mais ameaçadores à França do que as bravatas de Trump, segundo o governo francês. O silêncio formal do governo do Reino Unido é autoexplicativo.

Como França e Reino Unido, China e Rússia reiteraram as posições a favor de um estado palestino e, explicitamente (Rússia) ou não (China), comunicaram seus interesses estratégicos no Ártico (área abrangida por Canadá e Groenlândia) e em manter a paz na região. Idem para o canal do Panamá. Recado dado.

Sobre as ameaças de guerra tarifária contra importações por Trump, os quatro países anunciaram retaliação na mesma moeda. Os europeus foram além, ameaçaram retaliar empresas dos EUA.

Nenhum dos quatro países, porém, se meteu no que entendem ser questões internas dos EUA: não se pronunciaram oficialmente sobre as anunciadas deportações em massa, tampouco sobre o desmonte de braços e pernas do governo gringo. Enxergam nas medidas uma retração da projeção de poder internacional dos EUA.

Ou seja, veem os memes genocidas de Trump como uma compensação retórica às atitudes práticas do velho novo presidente dos EUA, que está restringindo seus instrumentos de projeção externa, como são os casos da CIA (hard power) e da Usaid (soft power).

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A atitude das potências atômicas é, portanto, pragmática. Dizem a Trump: chumbo trocado não dói, mas não se meta de fato no meu quintal (deixe Canadá, Groenlândia e Panamá em paz) que não nos meteremos no seu (política interna e deportações).

Assim, o desmonte do sistema de pesos e contrapesos para limitar o poder presidencial nos EUA não enfrenta nem deve vir a enfrentar oposição de outras potências em curto prazo.

Se Trump conseguir tornar sem limites seu poder interno como presidente, talvez se sinta empoderado o suficiente para tentar projetá-lo além das fronteiras dos EUA com algo além de memes.

Podcast A Hora, com José Roberto de Toledo e Thais Bilenky

A Hora é o podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo. O programa vai ao ar todas as sextas-feiras pela manhã nas plataformas de podcast e, à tarde, no YouTube. Na TV, é exibido às 16h. O Canal UOL está disponível na Vivo TV (canal nº 613), Sky (canal nº 88), Oi TV (canal nº 140), TVRO Embratel (canal nº 546), Zapping (canal nº 64) e no UOL Play.

Escute a íntegra nos principais players de podcast, como o Spotify e o Apple Podcasts já na sexta-feira pela manhã. À tarde, a íntegra do programa também estará disponível no formato videocast no YouTube. O conteúdo dará origem também a uma newsletter, enviada aos sábados.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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