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Oscar ajuda a exumar crimes da ditadura militar

Um estudo recente revelou como o Itamaraty montou uma rede clandestina durante a ditadura militar brasileira para espionar milhares de pessoas no exterior. O Ciex (Centro de Informação no Exterior), criado em 1966 e extinto em 1986, monitorou cerca de 17 mil pessoas, sendo dois terços delas estrangeiras, o que representou violação de diversos tratados internacionais.

O tema é um dos destaques do episódio desta semana do A Hora, podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo, disponível nas principais plataformas. Ouça aqui.

A pesquisa, conduzida por cinco pesquisadores liderados por Mathias Spector, da Fundação Getúlio Vargas, desmistifica a narrativa de que o corpo diplomático brasileiro teria se mantido distante da repressão. Segundo Vitor Sion, um dos pesquisadores, os diplomatas do Itamaraty monitoravam, bisbilhotavam, espionavam a vida dessas pessoas, para onde elas iam, com quem elas moravam, o que elas faziam.

O monitoramento era minucioso e classificava as informações em diferentes categorias. "Eles classificaram os monitoramentos, por exemplo, como as redes de trabalho, de quem pegava em arma para tentar a revolução, a rede de dinheiro... tinha até o que eles chamaram de rede sexual", detalha Sion.

A intensidade da espionagem variou ao longo do tempo, atingindo seu pico em setembro de 1968, com 97 informes mensais. O foco geográfico também mudava: entre 1966 e 1970 concentrou-se no Uruguai; de 1970 a 1973 no Chile, após a eleição de Salvador Allende; de 1973 a 1975 na Argentina; e a partir de 1976, em Portugal e na Europa de modo geral.

Um aspecto peculiar é que a rede priorizava países democráticos. "Eles estão cometendo crimes em países que viviam sob regimes democráticos e quando eles deixam de ser democracias, eles [os espiões] mudavam o foco", observou José Roberto de Toledo.

Os documentos do Ciex permaneceram desconhecidos até recentemente. Até a Comissão Nacional da Verdade em 2014, o Itamaraty não reconhecia a existência do Centro de Informação no Exterior. Mesmo hoje, o decreto que formalizou sua criação permanece sigiloso.

O estudo ganha relevância especial no momento em que produções cinematográficas como "Ainda Estou Aqui", vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional, ajudam a revisar o passado brasileiro. O filme retrata a história de Eunice Paiva, cujo marido, Rubens Paiva, foi preso, torturado e morto pela ditadura, possivelmente por ajudar a manter contato entre exilados e seus familiares no Brasil.

Outro documento revelado anteriormente por Spector, oriundo da CIA, expôs uma reunião em março de 1974 entre o então presidente Ernesto Geisel e três generais, na qual foi discutida a continuidade das execuções sumárias de opositores políticos. O general Milton conta, segundo o relato detalhado da CIA, que até então o Ciex havia assassinado sumariamente 104 pessoas em apenas um ano, revelam os documentos.

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Toledo traça paralelos entre essas revelações e os recentes acontecimentos da política brasileira: "Quando a gente vê hoje que o Bolsonaro sabia do plano para matar o Lula, o Alexandre de Moraes, o Alckmin, ele não está inovando, ele é parte de uma tradição dos militares golpistas do Brasil", diz o colunista.

A pesquisa contribui para o debate sobre a Lei da Anistia e a possibilidade de responsabilização por crimes como ocultação de cadáver, considerado crime permanente e possivelmente não coberto pela anistia. Assim como na Argentina, onde criminosos da ditadura foram condenados pelo sequestro de bebês, o Brasil pode encontrar brechas para julgar responsáveis por crimes não anistiados.

"Viva o cinema argentino, uruguaio e brasileiro, que conta essas histórias e ajuda a refazer a história", conclui Thais Bilenky, destacando a importância da arte na revisão do passado brasileiro.

Podcast A Hora, com José Roberto de Toledo e Thais Bilenky

A Hora é o podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo. O programa vai ao ar todas as sextas-feiras pela manhã nas plataformas de podcast e, à tarde, no YouTube. Na TV, é exibido às 16h. O Canal UOL está disponível na Vivo TV (canal nº 613), Sky (canal nº 88), Oi TV (canal nº 140), TVRO Embratel (canal nº 546), Zapping (canal nº 64) e no UOL Play.

Escute a íntegra nos principais players de podcast, como o Spotify e o Apple Podcasts já na sexta-feira pela manhã. À tarde, a íntegra do programa também estará disponível no formato videocast no YouTube. O conteúdo dará origem também a uma newsletter, enviada aos sábados.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.