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Os caras-pintadas e enrugadas se reencontram em lados opostos da Câmara

Mais de 30 anos após os protestos que levaram ao impeachment de Fernando Collor, dois antigos caras pintadas ocupam posições de destaque na atual crise política, embora em lados opostos do espectro ideológico. Os deputados federais Lindbergh Farias, líder do PT, e Sóstenes Cavalcante, líder do PL, compartilham um passado que poucos lembram e hoje negociam os rumos da anistia aos envolvidos no 8 de janeiro.

O tema é um dos destaques do episódio desta semana do A Hora, podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo, disponível nas principais plataformas. Ouça aqui.

"A política é muito curiosa", ironiza Thais Bilenky, destacando como os dois parlamentares estavam unidos contra Collor em 1992 e agora discutem, em lados opostos, a anistia para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro, embora por razões completamente diferentes.

Em 1992, Lindbergh Farias era presidente da União Nacional dos Estudantes. De origem paraibana, ele havia se mudado para o Rio de Janeiro e liderou o movimento dos caras-pintadas que protestaram contra Collor. Este episódio se tornaria seu grande impulso na política, permitindo que construísse uma carreira como deputado federal, prefeito e senador pelo Rio de Janeiro.

Já Sóstenes Cavalcante, natural de Maceió, mas com passagens por diversos lugares, vivia em Ituiutaba, Minas Gerais, e integrava a Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas). Cinco anos mais novo que Lindbergh, participava da militância estudantil e, como admite, tinha posições de esquerda naquela época.

O hoje líder bolsonarista conhecia Lindbergh à distância, por sua notoriedade no movimento estudantil. O líder do PL na Câmara afirma que no início de sua trajetória chegou a apoiar um candidato a vereador de esquerda, mas essa experiência resultou em profunda decepção, levando-o a migrar para o PSDB, principal adversário do PT durante décadas.

Pouco depois, Sóstenes mudou-se para o Rio de Janeiro e tornou-se auxiliar do pastor Silas Malafaia na Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Foi aí que os caminhos dos ex-caras-pintadas voltariam a se cruzar de maneira inesperada.

Entre 2010 e 2011, quando Malafaia fez declarações polêmicas contra a comunidade LGBT devido à Parada Gay, surpreendentemente Lindbergh saiu em sua defesa várias vezes, incluindo discursos na tribuna do Senado. A motivação era clara: o então senador petista planejava candidatar-se ao governo do Rio de Janeiro e buscava o apoio de Malafaia.

Durante esse período, Sóstenes foi encarregado de telefonar para Lindbergh para agradecer o apoio, iniciando um estreitamento de relações. O compromisso de do atual líder do PT com essa aproximação incluiu até mesmo um voto para retirar de tramitação um projeto que criminalizava a homofobia no Brasil. Apesar desses gestos, Malafaia não apoiou Lindbergh, que terminou em quarto lugar na disputa pelo governo fluminense nas eleições de 2014.

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Com o impeachment de Dilma Rousseff em 2015/2016, Lindbergh e Sóstenes se posicionaram em lados completamente opostos. A polarização se intensificou com o bolsonarismo, e o atual líder do PL tornou-se um dos principais articuladores do projeto que equiparava o aborto ao homicídio. Mesmo assim, os dois mantiveram contato frequente e, segundo Sóstenes, continuam sendo bons amigos.

Essa antiga relação voltou a ser relevante quando Gleisi Hoffmann, companheira de Lindbergh, assumiu a articulação política do governo. Diante do impasse com a anistia que afeta a pauta da Câmara, coube a ela melhorar as relações com o Congresso, incluindo a maior bancada da Casa, o PL.

Foi nesse contexto que Lindbergh ligou para "seu velho conhecido dos tempos de caras-pintadas", como diz Bilenky, e o convidou para uma reunião na residência que divide com Gleisi. O encontro não ocorreu no Palácio do Planalto para evitar críticas da base bolsonarista ao deputado.

Na pauta estavam as emendas parlamentares. Segundo Sóstenes, as emendas impositivas da bancada do PL estavam todas paradas. "O governo estava com muita resistência a liberar as impositivas que são obrigatórias", explica Bilenky, apontando que o jogo é complexo, pois o próprio líder do PL já disse que eles estão usando as emendas de comissão que cabem ao partido "para pressionar, chantagear, deputados a votarem a favor da anistia".

O curioso é que os principais articuladores desse momento político são justamente os antigos caras-pintadas, agora em posições de poder, mesmo que em lados opostos do espectro político. A história é irônica: o movimento que contribuiu para derrubar um presidente agora tem seus principais representantes em posições centrais no debate sobre anistia a supostos golpistas.

Como lembram Bilenky e José Roberto de Toledo, tudo começou quando Collor, em um gesto desesperado, convocou a população a vestir preto em um domingo para protestar contra o impeachment. A reação popular foi exatamente oposta. "Foi quando o Lindbergh e o Sóstenes entraram para a política no domingo seguinte. Foi a origem dos dois", completou o colunista do UOL.

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Três décadas depois, os caras-pintadas voltam ao poder, um pouco mais enrugados, mas ainda capazes de moldar o futuro político do país.

Podcast A Hora, com José Roberto de Toledo e Thais Bilenky

A Hora é o podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo. O programa vai ao ar todas as sextas-feiras pela manhã nas plataformas de podcast e, à tarde, no YouTube. Na TV, é exibido às 16h. O Canal UOL está disponível na Claro (canal nº 549), Vivo TV (canal nº 613), Sky (canal nº 88), Oi TV (canal nº 140), TVRO Embratel (canal nº 546), Zapping (canal nº 64), Samsung TV Plus (canal nº 2074) e no UOL Play.

Escute a íntegra nos principais players de podcast, como o Spotify e o Apple Podcasts já na sexta-feira pela manhã. À tarde, a íntegra do programa também estará disponível no formato videocast no YouTube. O conteúdo dará origem também a uma newsletter, enviada aos sábados.

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