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O custo de não punir generais golpistas: R$ 21 milhões por anistiado

A morte do coronel Rubens Robine Bizerril, aos 90 anos, expõe o custo financeiro e político de não punir militares envolvidos em golpes e crimes contra direitos humanos. Durante sete décadas, o oficial que participou da ditadura militar recebeu R$ 21 milhões do Estado brasileiro, sendo que três quartos desse valor foram pagos depois que ele foi para a reserva, apenas como pensionista.

O tema é um dos destaques do episódio desta semana do A Hora, podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo, disponível nas principais plataformas. Ouça aqui.

O caso Bizerril ilustra perfeitamente por que o julgamento dos envolvidos na tentativa de golpe de 2023 é fundamental, explica Toledo. "O indiciamento dos caras que não são os cabeças do golpe, mas que foram fundamentais para a operacionalização tática do golpe, é extremamente importante, porque a história mostra que é importante", argumenta o colunista do UOL.

Bizerril teve carreira exemplar do militarismo brasileiro. Em 1964, estava na escola de preparação de cadetes em Campinas, foi instrutor do futuro general Villas Boas - aquele que "influenciou negativamente o Supremo Tribunal Federal contra o Lula com um tweet". Como major em 1972, comandava o 10º Batalhão de Caçadores de Goiânia quando um estudante de 19 anos, Ismael Silva de Jesus, foi sequestrado, torturado e assassinado, com os assassinos forjando as circunstâncias da morte dele para parecer um suicídio.

Após se aposentar, Bizerril continuou sendo remunerado pelo Estado. "Virou funcionário do Serviço Nacional de Informações e depois, com a volta à democracia, o SNI passa a se tornar a Abin e ele continua como funcionário da Abin e acaba cedido ao Ministério da Justiça", relata Toledo.

No governo FHC, em 2000, chefiava o principal sistema de informação do Ministério da Justiça até ser descoberto por Renato Sérgio de Lima, hoje presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O jovem funcionário "ficou desconfiado porque ouviu um relato de uma reunião em que o coronel tinha participado, falando meio de piada, meio sério, sobre política de direitos humanos, falou de ossadas e uso de cal."

A investigação revelou que Bizerril era citado no "Brasil Nunca Mais" como responsável pela tortura e assassinato do estudante. "Chegou essa notícia à imprensa, a imprensa divulgou com bastante ênfase esse fato, porque coincidiu com a semana de combate à tortura e o coronel caiu", conta Toledo.

Em 2022, o Ministério Público de Goiás denunciou Bizerril por homicídio, tortura, sequestro e falsificação de documentos públicos. Porém, essa denúncia, no ano passado, acabou sendo rejeitada pela Justiça Federal com base na lei da anistia.

O cálculo do custo financeiro foi feito pelo repórter Tiago Mali a pedido de Toledo. "Durante sete décadas, recebeu dinheiro do Estado. Na estimativa muito parcimoniosa e conservadora do Thiago, foram 21 milhões de reais que ele recebeu ao longo da vida do Estado brasileiro, e desses 21 milhões de reais, três de cada quatro reais ele recebeu sem trabalhar."

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Como observa Thais Bilenky: "Ele não só não foi condenado, como foi premiado pelo Estado brasileiro."

Quando descoberto em 2000, Bizerril tentou dividir responsabilidades: "Eu não sou o único, tem vários outros aí no governo. Ele está dizendo, por que vocês estão pegando só a mim? Tem um monte de gente aí, e tinha de fato."

O paralelo com o presente é direto. O Supremo transformou em réus outros nove militares envolvidos na tentativa de golpe de 2022, totalizando 31 réus, sendo 21 militares. Entre os novos indiciados estão um general, o general Teófilo, três coronéis e cinco tenentes-coronéis.

"Para evitar que essa situação se repita em uma nova circunstância, com uma nova tentativa de golpe, é necessário julgar e condenar quem teve culpa nesse golpe", defende Toledo, lembrando que o próprio comandante da aeronáutica do Bolsonaro disse que "sim, houve uma tentativa de golpe".

O colunista também cobra aprovação do projeto que acaba com o "morto ficto" - quando militares expulsos por crimes graves continuam recebendo pensões. "É um escândalo que o Brasil pague 25 milhões de reais por ano para familiares de pessoas que cometeram crimes", critica.

A lição do caso Bizerril é clara: a impunidade tem custo alto, não apenas político e moral, mas também financeiro. Durante décadas, o Estado brasileiro bancou quem atentou contra a democracia, enquanto as vítimas permaneceram sem justiça.

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Podcast A Hora, com José Roberto de Toledo e Thais Bilenky

A Hora é o podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo. O programa vai ao ar todas as sextas-feiras pela manhã nas plataformas de podcast e, à tarde, no YouTube. Na TV, é exibido às 16h. O Canal UOL está disponível na Claro (canal nº 549), Vivo TV (canal nº 613), Sky (canal nº 88), Oi TV (canal nº 140), TVRO Embratel (canal nº 546), Zapping (canal nº 64), Samsung TV Plus (canal nº 2074) e no UOL Play.

Escute a íntegra nos principais players de podcast, como o Spotify e o Apple Podcasts já na sexta-feira pela manhã. À tarde, a íntegra do programa também estará disponível no formato videocast no YouTube. O conteúdo dará origem também a uma newsletter, enviada aos sábados.

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