IOF, LCI, LCA: a salgada sopa de letrinhas que o Congresso não engole
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O que começou como uma "reunião histórica" de cinco horas no domingo passado entre o governo e líderes do Congresso acabou virando mais um capítulo da saga tributária que assombra o Palácio do Planalto.
O tema é um dos destaques do episódio desta semana do A Hora, podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo, disponível nas principais plataformas. Ouça aqui.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou um cardápio de medidas para compensar o recuo no decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), incluindo a cobrança de 5% de Imposto de Renda sobre títulos hoje isentos como LCI e LCA. Menos de uma semana depois, o presidente da Câmara, Hugo Motta, anunciou que a Casa votará na segunda-feira a urgência de um projeto para derrubar o novo decreto e que a medida provisória não vai avançar.
"Hugo Motta anunciou que tinha sido uma reunião produtiva e que eles tinham chegado a um acordo e que o governo tinha apresentado uma proposta muito menos danosa, nas palavras dele, do que o decreto de IOF original", relatou Thais Bilenky.
Mas o otimismo durou pouco. Em menos de 12 horas, o tom já começou a mudar. Na quarta-feira, a União Progressista - federação formada pelos partidos União Brasil e Progressistas, com mais de 100 deputados e 14 senadores - anunciou que fecharia questão contra o projeto do governo.
O ponto de virada veio na terça-feira, quando o ministro Flávio Dino, do STF, determinou que governo e Congresso explicassem sobre o suposto pagamento do "novo orçamento secreto" - um furo jornalístico da colunista Natália Portinari, do UOL, que mostrou verbas do Executivo sendo usadas como moeda de troca no Congresso.
Para José Roberto de Toledo, o episódio revela problemas estruturais na articulação política do governo. "O governo não tem maioria de votos na Câmara, a não ser que ele alugue esses votos, seja por emendas parlamentares e executivas, seja por quaisquer outras maneiras, mas o fato é que não tem", afirma.
Segundo o colunista do UOL, há um problema ainda maior: a confiabilidade do presidente da Câmara. "O que o Hugo Motta fala não se escreve, porque ele fala uma coisa para um e outra coisa para outro", critica Toledo. "Diferentemente do Arthur Lira, que, quando tomava uma decisão, bancava essa decisão e ia até o final, o Hugo Motta não é confiável, porque você fecha um acordo com ele de manhã e ele fecha outro acordo 180 graus diferente à tarde com outra pessoa."
O cenário se complica ainda mais com a deterioração da popularidade do presidente Lula. Pesquisa Ipsos/Ipec divulgada nesta semana mostra o pior momento do terceiro mandato: nunca a desconfiança foi tão alta, nunca a soma de avaliação ruim e péssima foi tão grande, e nunca a desaprovação superou tanto a aprovação.
As medidas propostas pelo governo miram principalmente quem está no topo da pirâmide social. O foco principal é a cobrança de 5% de imposto de renda sobre LCI (letras de crédito imobiliário) e LCA (letras de crédito do agronegócio), títulos que hoje são isentos e tiveram crescimento explosivo nos últimos anos.
Os números impressionam: em 2020, o estoque de LCA era de 153 bilhões de reais. Em 2025, chegou a 560 bilhões - quase quadruplicou em cinco anos. As LCI saltaram de 121 bilhões para 465 bilhões no mesmo período.
"Por que isso acontece? Porque é isento de Imposto de Renda", explica Toledo. "Esse dinheiro que está indo para o setor do agronegócio e para as construtoras, ele antes estava provavelmente indo para o Tesouro Nacional para ajudar a rolar a dívida do Estado brasileiro."
A medida provisória editada pelo governo também inclui outras mudanças: tributação de fintechs grandes que ainda operam sob regime de empresas menores, aumento da alíquota sobre juros sobre capital próprio de 15% para 20%, e mudanças na tributação de fundos de previdência privada.
Para Toledo, todas as tentativas foram de "fechar os buraquinhos por onde as pessoas que têm mais dinheiro usam para pagar menos imposto". O problema é que "essas pessoas reagiram, elas têm uma enorme influência política muito maior do que o assalariado e está aí o Huguinho (Hugo Motta) dando a resposta que deu".
O setor de apostas esportivas também está na mira. O governo propõe elevar a tributação sobre o lucro bruto das Bets de 12% para 18% - retornando à proposta original que foi reduzida pelo Congresso. "Esses caras, essas Bets que viciam as pessoas, estão tendo de lucro 40 bilhões de reais por ano", critica Toledo.
Com o Congresso resistindo e a popularidade presidencial em queda, o governo enfrenta um círculo vicioso: sem aprovar suas medidas, não consegue melhorar os indicadores que dariam força política para aprová-las.
"Você pode chamar isso de derrota do governo, que será efetivamente uma derrota do governo, mas eu acho que quem vai perder mesmo é o país", conclui Toledo.
Podcast A Hora, com José Roberto de Toledo e Thais Bilenky
A Hora é o podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo. O programa vai ao ar todas as sextas-feiras pela manhã nas plataformas de podcast e, à tarde, no YouTube. O Canal UOL está disponível na Claro (canal nº 549), Vivo TV (canal nº 613), Sky (canal nº 88), Oi TV (canal nº 140), TVRO Embratel (canal nº 546), Zapping (canal nº 64), Samsung TV Plus (canal nº 2074) e no UOL Play.
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