Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A Justiça Eleitoral não é o melhor caminho para enfrentar a criminalidade
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Chicó é um personagem de Ariano Suassuna, no Auto da Compadecida. A cada vez que se tinha que dar uma explicação lógica para suas histórias - como foi isso, Chicó?, ele punha fim à conversa, com um bordão impagável: não sei, só sei que foi assim.
Lembrei-me dele por conta do projeto do novo Código Eleitoral. O projeto mantém a competência da Justiça Eleitoral para os crimes comuns conexos, reproduzindo a regra atual. Em 2019, o STF reafirmou a vigência destes dispositivos que estabelecem que, na conexão entre crimes eleitorais e comuns, prevalece a competência da Justiça Eleitoral.
Mas o STF não disse que a competência da Justiça Eleitoral para crimes conexos derivava da Constituição. E nem poderia dizer. Ao contrário das que a antecederam, a Constituição de 88 não fixou competência mínima para a Justiça Eleitoral e nem determinou a sua força atrativa para crimes conexos. Deixou para o legislador infraconstitucional fazer as devidas escolhas e as mudanças desejáveis. O STF decidiu sobre como o quadro está, mas em tempos de reformas, precisamos pensar, com honestidade, sobre como ele deve ser.
Talvez as controvérsias em torno da Lava Jato possam ter atrapalhado a reflexão. A questão não é discutir se tal processo deve ir para a Justiça Eleitoral, mas, sim, de optar pelo melhor modelo institucional de tratamento de processos criminais.
A regra atual foi estabelecida por um regime autoritário, quando não existiam Justiça Eleitoral e nem Federal, e repetida no CE/65, também em período de recesso democrático. De lá para cá, a atuação da Justiça Eleitoral se expandiu, a criminalidade ficou mais organizada e suas imbricações com as campanhas eleitorais muito diversas daquelas imaginadas pelo legislador do século XX.
Hoje, crimes eleitorais têm potencial de se conectar com a macro delinquência econômica que opera em redes complexas de corrupção, lavagem e organização criminosa, as quais demandam estratégias também complexas de investigação.
Óbvio que a Justiça Eleitoral poderá se equipar para isso, ampliando recursos materiais, humanos e investindo pesadamente em treinamento e tecnologia, tanto quanto o MP Eleitoral. Resta saber se isso é bom e viável no Brasil de hoje, quando a Justiça Eleitoral tem desafios próprios de gestão de eleições em contexto de crise democrática. O país já conta com dois braços da justiça comum equipados e desenhados para tratar de crimes. Onde está a racionalidade em triplicar competências e estruturas sem qualquer benefício em troca?
O eventual ganho que a defesa obtenha de um ritmo processual mais lento não é critério legítimo de aferição. É apostar na falência.
Insistir na competência criminal expandida da Justiça Eleitoral exige demonstração de racionalidade. Não é algo natural e dado. Ou no futuro, quando tivermos que explicar por quê a reforma manteve o julgamento de crimes comuns na Justiça Eleitoral, teremos que invocar Chicó: não sei, só sei que foi assim.
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