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OPINIÃO

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O início do julgamento do processo de cassação de Bolsonaro no TSE

12.ago.2021 - Prédio do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em Brasília - Antonio Augusto/Secom/TSE
12.ago.2021 - Prédio do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em Brasília Imagem: Antonio Augusto/Secom/TSE

Luiz Fernando Casagrande Pereira, doutor em Direito pela UFPR e coordenador-geral da ABRADEP

26/10/2021 23h03

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Hoje começou o julgamento da chapa Bolsonaro-Mourão no TSE, mas ainda não terminou. Houve a interrupção do julgamento. Ainda faltam quatro votos. Fica mantido algum suspense. Aliás, é muito ruim que um processo de cassação fique para ser julgado faltando pouco mais de um ano para o final do mandato. A Lei Eleitoral, a propósito, define que a duração razoável para um processo de cassação de mandato é de no máximo um ano. Aqui já são três anos de tramitação.

Importante lembrar que já tinha havido um julgamento anterior em ações eleitorais que poderiam levar à cassação da chapa. O Ministro Relator, Luís Felipe Salomão, começou por esclarecer que as decisões nas ações anteriores, que haviam sido rejeitadas, não influenciariam o julgamento de hoje. Com isso, afastou o argumento da defesa - que tentou fazer uma ligação entre os processos. Foi um movimento que apontava para a cassação.

Antes, Salomão também afastou todas as preliminares que poderiam impedir o julgamento de mérito das ações. Outro aceno à possibilidade de cassação.

Em grupos de eleitoralistas que acompanhavam o julgamento, crescia a aposta de que o voto poderia ser mesmo pela cassação de Bolsonaro e Mourão. E o maior sinal de que poderia vir uma condenação ainda estava por vir. E veio em seguida.

Depois de fazer uma análise das provas dos processos, o Ministro reconheceu que houve disparo em massa de mensagens com fins eleitorais. A partir de provas fornecidas pelo próprio WhatsApp, citou empresas que tinham capacidade de disparar 75 mil mensagens por dia. E concluiu que havia uma estrutura organizada e capilarizada para a prática de ilícitos em ambiente virtual.

E fez mais o Ministro Relator. Propôs, de forma inédita, a fixação de uma tese pelo TSE. E a conformação dessa tese não era uma boa notícia para a defesa de Bolsonaro. Salomão reconheceu que a exacerbação do uso de mensagens em massa promovendo desinformação em benefício de candidato ou prejuízo de adversário caracteriza abuso do poder econômico e/ou uso indevido dos meios de comunicação. Todas as condições para a cassação estavam oferecidas pelo Ministro Salomão. Faltava apenas reconhecer que havia prova da gravidade dos ilícitos eleitorais. Houvesse o reconhecimento de gravidade, a cassação seria certa.

O Ministro deixou o desfecho para o último capítulo do voto, como se recomenda para manter o suspense.

Antes de cravar se havia - ou não - a prova da gravidade necessária para a cassação do mandato, Salomão explicou que seria necessário reconhecer a existência de alguns elementos. E os listou: a falsidade do conteúdo das mensagens; a propaganda negativa para atingir os adversários; a repercussão e o alcance; grau de participação dos candidatos; por fim, o financiamento desses disparos em massa.

Uma pausa no modo thriller do voto. Importante explicar que nada é mais perturbador numa ação de cassação do que a análise de gravidade; a influência que ilícitos eleitorais possam ter no resultado eleitoral. Especialmente em uma ação que envolve a eleição presidencial.

Nenhum país do mundo cassa mandatos sem que haja a demonstração muito clara de que o ilícito eleitoral alterou realmente o resultado. A influência no resultado tem que ser determinante. Nunca se presume a influência do ilícito no resultado.

Aqui no Brasil a Justiça Eleitoral, não raro, aceita cassar mandato quando demonstrada uma "provável influência" no resultado, embora usem a expressão "gravidade", como está na Lei. É muito difícil decidir a sorte de um mandato popular a partir da indecifrável probabilidade de relevância de determinado ilícito no resultado. O fenômeno político é tanto aleatório. Alguém se elege ou deixa de se eleger por uma confluência aleatória de pequenos fatores, visíveis ou invisíveis a olho nu. Para um juiz esse tema é quase sempre nebuloso.

O voto do Ministro Salomão terminaria tratando exatamente do tema da gravidade. Mais precisamente, por reconhecer que não havia prova da gravidade. Para o Ministro, a coligação de Haddad, autora da ação, não conseguiu provar o alcance e a repercussão das mensagens, o pagamento por empresas ou a participação de Bolsonaro. E Salomão ainda esclareceu que nenhuma das provas solicitadas por Haddad poderia alterar o cenário. Para o voto, faltaram provas, enfim.

Com isso concordou o Ministro Mauro Campbell - que votou em seguida. E votou com o Ministro Salomão. Já estava tarde, mas ainda em tempo de esperar pelo voto Ministro Sérgio Banhos - que também acompanhou o Relator em quase tudo.

Ao final da noite, três votos contra a cassação. O julgamento segue na próxima quinta-feira, com mais quatros Ministros para votar. Não parece, no entanto, que o julgamento tome outro rumo. As apostam agora estão para um julgamento unânime contra a cassação.

A comemoração de Bolsonaro deve ser contida. O TSE deu um recado claro e duro. Na próxima eleição, se houver provas - e a oposição vai ficar atenta, ninguém deve duvidar -, o disparo em massa de fake news pode levar à cassação de mandato. E ainda que Bolsonaro não esteja diretamente envolvido. Bastará que seja um beneficiário do serviço sujo patrocinado por apoiadores.

Ainda tem o final do julgamento, mas tudo indica que não haverá cassação.