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Ex-diretora relata ordem de Anderson Torres na eleição: 'Todo mundo na rua'

A ex-diretora do Ministério da Justiça Marília Alencar admitiu à Polícia Federal que o seu chefe em 2022, o ministro Anderson Torres, determinou o aumento das equipes de segurança nas ruas no segundo turno da eleição presidencial e tentou alterar o planejamento feito pela Polícia Federal para aquele dia.

Para a PF, as ordens tinham o objetivo de tentar interferir no resultado do segundo turno e favorecer o então presidente Jair Bolsonaro (PL). Por isso, a PF indiciou Torres no relatório final da investigação sob acusação do crime de restringir ou dificultar o voto dos eleitores.

O UOL teve acesso à transcrição do depoimento de Marília, prestado à PF no final do ano passado. O relatório final e os depoimentos foram enviados pela PF ao STF (Supremo Tribunal Federal) em dezembro.

Delegada de carreira da Polícia Federal, Marília era uma pessoa de confiança de Torres e, por isso, foi nomeada para a função de diretora de Inteligência do Ministério da Justiça. Em seu último depoimento à PF, ela frisou que as ações tomadas em relação ao segundo turno das eleições foram em cumprimento às ordens de Torres e chegou a afirmar que seu ex-chefe estava mentindo ao dizer que ela teria agido por conta própria.

A ex-diretora citou uma preocupação especial do então ministro com o estado da Bahia, onde o presidente Lula tinha uma das votações mais expressivas.

Marília contou à PF que Torres promoveu uma reunião, após o primeiro turno da eleição, com integrantes do ministério e os diretores da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal para pedir um aumento do policiamento no segundo turno. Na ocasião, os chefes das forças relataram que parte da equipe ficou apenas de sobreaviso no primeiro turno porque os recursos para diárias dos policiais estavam congelados pelo governo federal.

A defesa de Torres disse, por meio de nota enviada no dia 24, que a investigação sobre os bloqueios da PRF (Polícia Rodoviária Federal) no segundo turno das eleições de 2022 "não seguiu o padrão de zelo e cuidado que a Polícia Federal costuma ter em suas investigações". O advogado de Marília Alencar, Octavio Orzari, afirmou em nota: "O relatório do inquérito cometeu um grave erro, dentre outros, pois a instrução normativa nº 219, de 18 de março de 2022, do diretor-geral da Polícia Federal, é clara em determinar que: 'Art. 7º No dia das eleições, a Polícia Federal atuará de maneira ostensiva, com a presença de policiais federais no maior número possível de municípios da circunscrição de cada unidade'. Essa norma do diretor-geral está plenamente vigente e válida".

De acordo com a investigação, Torres se baseava em notícias falsas sobre compra de votos para pedir um incremento da atuação da PF em determinadas regiões, principalmente na Bahia.

E aí o ministro falou, não, mas tem que aumentar o efetivo, tem que aumentar o efetivo, não, tem que ser 100%, eu quero todo mundo na rua
Marília Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça

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De acordo com seu relato, Torres pediu dados da distribuição das equipes da PF e da PRF para o dia do segundo turno. Por isso, Marília disse que solicitou essas informações às duas corporações. Isso não havia sido feito no primeiro turno. Depois de ver os dados, o então ministro teria criticado o planejamento da PF por estar muito concentrado nas áreas próximas das capitais e pediu à sua equipe que produzisse um novo planejamento, para ser enviado à Polícia Federal.

As ordens causaram estranheza aos integrantes da PF, porque a corporação não realiza policiamento ostensivo nas ruas, nem mesmo durante as eleições.

Nesta semana, o UOL revelou que a PF indiciou ex-diretores e ex-coordenadores da PRF sob acusação de atuar para impedir eleitores do Nordeste de votar em 2022. O inquérito também apontou a existência de vínculo entre entre a investigação sobre o plano de golpe de Bolsonaro e as blitze rodoviárias.

Quando foi ouvido pela PF, Torres negou ter dado essa ordem à equipe e disse que o relatório com sugestão de nova distribuição da equipe da Polícia Federal foi feito por conta própria por seus subordinados. Ao ser confrontada por essa declaração, Marília rebateu seu ex-chefe e disse que mantinha sua versão dos fatos.

Teve várias testemunhas sobre isso, os quatro colegas. Eu não vejo lógica de fazer isso sem uma determinação do ministro. A constatação é: ele, em vários momentos de outubro, falou sobre a preocupação, falava com o DG [diretor-geral], tem nos autos sobre essa questão, tanto é que ele foi à Bahia, e pediu para ser mandado o planejamento lá naquele momento para o SR [superintendente]
Marília Alencar

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A ex-diretora contou ainda que Torres, durante uma visita à Superintendência da PF na Bahia antes do segundo turno da eleição, telefonou a ela para pedir cópia da planilha com a sugestão de planejamento da equipe para o estado. A pedido do então chefe, o documento foi repassado a Leandro Almada, superintendente da PF na Bahia à época.

[Torres] ligou e falou, você tem aquela planilha sobre a Bahia? Sobre a distribuição do efetivo? Eu falei, ministro, eu não tenho. Quem fez isso, eu acho que foi o [Leo] Garrido [delegado da equipe de Marília]... Aí ele falou, você pode pegar para mim e pro DPF Almada? Eu falei, eu posso, claro"
Marília Alencar

Para a PF, configuram ato de violência política as ordens de Anderson Torres "para que se distribuíssem ostensivamente os policiais nas ruas, em especial em locais próximos às sessões eleitorais, com especial atenção à Bahia".

"Pode-se concluir, portanto, que Anderson Gustavo Torres declarou preferência eleitoral e promoveu o direcionamento de forças policiais para que, de forma conjunta, no dia das eleições, atuassem ostensivamente frente ao maior número possível de eleitores. Também proporcionou o incremento dos recursos orçamentários necessários para que isso ocorresse, sem que houvesse qualquer fundamento técnico, e levantando, em reuniões, a falsa ocorrência de crimes eleitorais que acobertariam o real fundamento de sua escolha", escreveu a PF no relatório final da investigação.

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