Vídeos de Cid mostram delação espontânea e evidenciam omissões
Os vídeos da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid mostram que seus depoimentos foram prestados de forma totalmente espontânea, sem pressões indevidas dos investigadores. Mas também evidenciam como ele, em um primeiro momento, omitiu detalhes da participação do general Braga Netto nos fatos sob investigação.
Esses pontos têm sido suscitados pela defesa de Jair Bolsonaro e dos demais investigados para atacar a delação premiada de Cid. Os advogados argumentam que o tenente-coronel fez seus relatos sob pressão e sem voluntariedade.
A primeira série de depoimentos dados por Cid à Polícia Federal em agosto de 2023 mostra o inverso disso. O tenente-coronel exibe serenidade em seu discurso, traz o nome de diversos personagens envolvidos nas tratativas golpistas sem nenhum direcionamento específico feito pelos investigadores e conta de forma espontânea como um decreto golpista foi discutido e alterado pelo então presidente Jair Bolsonaro.
Os vídeos mostram uma diferença para algumas delações premiadas feitas durante a Operação Lava Jato, como da empreiteira Odebrecht. Por exemplo: um dos registros do depoimento de Emílio Odebrecht mostra que um membro da Procuradoria-Geral da República à época chega a se irritar com a versão apresentada pelo colaborador. O membro da PGR diz ao empresário para deixar de "conto de fadas" e até explica a ele que os relatos deveriam ser vistos como atos de corrupção.
No caso de Cid, ele narra os episódios com liberdade e poucas interrupções dos investigadores. Não há tentativa de induzir determinados relatos para as linhas de investigação da PF.
A PF também não tratou os depoimentos como verdade absoluta. Buscou provas de corroboração em telefones celulares, documentos e depoimentos de outras testemunhas. Foi por isso que os investigadores tiveram que convocar Cid diversas vezes para apresentar novos detalhes a respeito das descobertas, já que nem tudo foi dito na primeira rodada de depoimentos.
Os vídeos, porém, dão corpo às suspeitas de omissão de Mauro Cid, que é outro ponto questionado pelos advogados de defesa.
Nas duas horas do seu primeiro depoimento à PF, no qual revelou as discussões de um plano de golpe por Jair Bolsonaro, Cid quase nada falou sobre a participação do general Braga Netto nessas ações. Ao ser questionado sobre a atuação do general, ele se limita a dizer que Braga Netto mantinha Bolsonaro informado sobre os manifestantes do acampamento golpista. "Eu não colocaria ele entre os radicais", disse Cid.
Só mais de um ano depois, quando a PF obteve novas provas do envolvimento de Braga Netto e apontou omissões de Mauro Cid, foi que ele resolveu dar detalhes sobre uma reunião golpista na casa do general e revelou o recebimento de dinheiro vivo dele.
O conjunto dos vídeos mostra apenas um momento de maior pressão: a audiência conduzida em novembro do ano passado pelo ministro Alexandre de Moraes na qual ele alertou Cid que poderia perder os benefícios de sua delação e que inclusive seus familiares poderiam entrar na mira das investigações.
Esse alerta foi feito após a PF indicar uma série de omissões nos depoimentos do tenente-coronel, o que poderia resultar na rescisão do acordo. O trecho tem sido interpretado pelos advogados dos investigados como uma pressão indevida a Mauro Cid para complementar seus relatos.
Isso, porém, só ocorreu mais de um ano depois da celebração da delação. Os fatos principais da trama golpista e de outras investigações foram contados por Cid em sua primeira série de depoimentos à PF sem nenhuma evidência de qualquer pressão. As informações complementares foram descobertas de forma independente pela PF, com base nos celulares e documentos apreendidos.
Nesse momento, o ministro Alexandre de Moraes considerou que a delação premiada de Mauro Cid deve permanecer válida. Entretanto, somente ao final do julgamento do processo é que o STF irá decidir se Mauro Cid terá direito aos benefícios pleiteados em sua delação, que incluem uma pena máxima de dois anos e o perdão judicial aos seus familiares.
Reportagem
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