Amanda Cotrim

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Reportagem

Marcha pelo 8 de Março na Argentina se transforma em maré contra Milei

Em um contexto de retrocessos aos direitos das mulheres, milhares de argentinas e argentinos protestaram no centro de Buenos Aires, na tarde deste sábado, 8 de março.

Uma maré verde, com lenços verdes que se tornaram símbolo de resistência das argentinas, ocupou as ruas em todo o país. Em Buenos Aires, as manifestantes marcharam desde o Congresso Nacional até a Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, sede do governo argentino. A reportagem não registrou conflito.

Entre as manifestantes, carro de som, cartazes e gritos de guerra contra a motosserra das políticas de gênero do governo de Javier Milei.

Na Argentina, movimentos feministas e de direitos humanos denunciam que o país vive o maior declínio em direitos de gênero dos últimos dez anos.

Manifestantes na marcha do 8 de Março em Buenos Aires
Manifestantes na marcha do 8 de Março em Buenos Aires Imagem: Amanda Cotrim/UOL

O caso mais emblemático foi o fechamento do Ministério da Mulher, Gênero e Diversidade, em 2024, uma das iniciativas do governo Milei, para cortar gastos públicos. O governo também fechou os departamentos dedicados às políticas de gênero dos outros ministérios, deixando a Argentina órfã de um organismo especializado em políticas públicas para direitos das mulheres.

Isabela (nome fictício) tem 19 anos e marchou pela primeira vez neste dia 8. "Nunca tinha vindo a uma manifestação do dia 8 e esse ano estou muito convicta de que é aqui que eu deveria estar. Sofri violência na infância e estou aqui para defender os direitos de meninas e mulheres que esse governo quer acabar", afirmou.

Nos microfones, as manifestantes pediam greve geral e diziam que a lei do aborto será defendia até o fim. "Somos resistência. Vamos defender a lei do aborto: gratuito e público e a educação a todas e todos", disseram. "Não vamos voltar ao século 15, Milei", "abaixo todos os conservadores e fascistas da América Latina", afirmaram, citando nomes como o do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

No protesto, muitas crianças acompanhadas de seus cuidadores, mulheres, jovens e idosos. O clima foi de celebração, com músicas de protestos e gritos que chamavam Milei de ditador e lembravam os crimes de feminicídio na Argentina, citando dados da Defensoria do Povo, que apontou que a cada 30 horas, há um feminicídio no país.

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Governo quer tirar feminicídio do Código Penal

Em janeiro deste ano, o governo Milei anunciou que eliminará o feminicídio do Código Penal argentino.

O crime de feminicídio foi incorporado ao Código Penal em 2012, como um agravante do homicídio quando um homem mata uma mulher motivado por violência de gênero, podendo chegar a pena de prisão perpétua. De acordo com as organizações sociais feministas e de direitos humanos, esse agravante do feminicídio permitiu projetar políticas públicas para combater a violência de gênero.

No entanto, o governo Milei tem tentado desarticular tais políticas ao afirmar que a violência não tem gênero.

Em janeiro, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, Milei atacou os direitos das mulheres e afirmou que "se você mata uma mulher, é chamado de feminicídio, com uma pena maior do que se você matar um homem, somente pelo sexo da vitima, legalizando que a vida de uma mulher vale mais do que a de um homem'', afirmou o presidente argentino na ocasião.

'Motosserra' desampara mulheres

Uma das consequências da "política da motosserra" do governo, que busca reduzir os gastos públicos em prol do superávit fiscal, foi a redução de programas sociais, principalmente os de gênero. Um exemplo é o programa Acompanhar, que concede ajuda financeira às vítimas de violência de gênero: o programa teve uma redução de quase 99% no primeiro trimestre de 2024, em comparação ao mesmo período, em 2023, segundo a organização Nenhuma a Menos.

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O grupo também denunciou que o governo desarticulou programas de denúncia telefônica, nos quais a vítima poderia fazer uma chamada gratuita e pedir ajuda. "O desmantelamento deixou em desamparo quem mais necessita de ajuda", afirmou a organização.

Para a Anistia Internacional, o ajuste fiscal do governo Milei atingiu mais mulheres e aposentados. Segundo o órgão internacional, os direitos e a proteção às mulheres foram reduzidos pelo governo, deixando milhares de argentinas em uma situação de ainda mais vulnerabilidade.

Outro ponto que preocupa as organizações feministas é a lei do aborto seguro, gratuito e público, aprovada em dezembro de 2020, e que tem sido constantemente ameacada pelo governo Milei, que frequentemente promete derrubar a legislação federal.

Casa Rosada publica vídeo contra a ideologia 'woke'

Neste 8 de Março, a Casa Rosada publicou em sua conta na rede social X um vídeo institucional com dados sobre a redução da violência contra mulheres durante o governo Milei. "Neste 8 de Março reafirmamos nosso combate frontal à ideologia 'woke' que busca lucrar dividindo nossa sociedade. Conseguimos baixar os homicídios aplicando uma só política: aqueles que fazem, pagam. Fomos contra todos os delinquentes e as mulheres foram as mais beneficiadas."

No vídeo da publicação, o governo ressalta que fechou o Ministério de Mulheres e todos os departamentos dedicados às políticas de gênero de toda a administração pública, afirmando que com isso o estado economizou milhões.

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Em resposta ao vídeo institucional, a organização Nenhuma a Menos emitiu nota afirmando que os dados do governo são falsos.

Segundo a entidade, o executivo manipula os dados oficiais enquanto corta os investimentos no combate à violência de gênero, gerando mais mulheres sem acesso à Justiça. "Não se trata de ideologia, mas de direito humano básico. As políticas de gênero são um direito humano", afirmou a nota.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.