Amanda Cotrim

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Reportagem

Como Milei conseguiu baixar a pobreza na Argentina

Ao longo dos últimos 15 meses, a Argentina vem passando por um "choque" econômico, devido à política de ajuste fiscal do governo de Javier Milei. A "motosserra", que conseguiu reduzir a inflação, agora comemora a queda da taxa de pobreza.

Os dados divulgados ontem pelo Instituto de Estatísticas da Argentina (Indec) mostram que 38,1% dos argentinos estavam abaixo da linha de pobreza final do ano passado. Uma diminuição de quase 15 pontos percentuais em relação ao primeiro semestre de 2024.

Para medir os índices de pobreza, o Indec realiza uma pesquisa de campo sobre os salários das famílias e os compara com os preços dos alimentos da cesta básica e serviços, como luz e transporte.

Milei assumiu a Argentina com a pobreza em 41,7%. Em seu primeiro semestre de governo, a taxa chegou a 52,9%.

Nas redes sociais, o presidente usou os índices econômicos para acentuar a polarização política no país, endossando que, com os governos peronistas, a pobreza tinha atingido 57% e em seu governo chegou a 38%. Esse dado, no entanto, contradiz o próprio instituto de pesquisa no país, que apontou que durante a transição de governo, o então presidente Alberto Fernandez deixou o país com índice de pobreza em 41,7%.

Para Julian Puig, pesquisador do Centro de Estudos de Finanças Públicas da Universidade Nacional de La Plata, a redução da pobreza pode ser explicada pela redução da inflação mensal de 25% em fevereiro de 2024 para 2,4% em fevereiro de 2025.

"A contenção da perda de poder de compra, com a baixa da inflação e a recuperação econômica de 6% de alguns setores econômicos, acima dos preços da cesta básica de alimentos e de serviços básicos, ajudam a explicar os novos dados", afirmou.

Segundo o especialista, como se trata de uma recuperação econômica heterogênea, ou seja, de setores específicos da economia, como construção, minas e energia, não é possível que a população "comum" veja essa melhora em seu poder aquisitivo. "Talvez por isso se sinta menos, o cidadão comum não percebe a recuperação econômica", completou.

Para o economista Daniel Schteingart, diretor de planificação produtiva da Fundar (Fundação de Buenos Aires), considerar apenas a cesta básica e serviços gerais não é o suficiente para mensurar outros poderes de compra, como o aluguel, setor com maior impacto no salário das famílias argentinas.

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"A inflação dos alimentos da cesta básica subiu menos do que a inflação geral, por isso podemos ver a redução da pobreza. Porém, quando você compara a inflação geral, o poder de consumo não melhorou", afirmou o economista.

Para o economista Guido Zack, a redução da pobreza está sustentada sobre um pilar pouco seguro. Segundo ele, o governo contém a flutuação cambial e consegue reduzir a inflação, porém de modo artificial.

"A redução da pobreza está sustentada sobre um pilar frágil, que é o tipo de câmbio, controlado atualmente pelo Banco Central Argentino. Com isso, os preços sobem menos, a inflação baixa, quando a inflação baixa, os salários se recuperam e quando isso ocorre, a pobreza diminui. O problema é que essa política cambial (artificial) não é sustentável, portanto, cedo ou tarde, terá que ser corrigida e isso pode aumentar a inflação, aumentar a perda real de salário e aumentar novamente a pobreza. Não interessa uma baixa da pobreza pontual se isso não é sustentável", questionou.

Menos indigência

A indigência também baixou na Argentina, segundo os dados oficiais. Diferente da pobreza, que considera o aumento de serviços, a indigência é medida apenas no valor da cesta básica dos alimentos. Segundo o Indec, a indigência na Argentina chegou a 8,2% no final de 2024, uma redução de 10 pontos, em relação ao início do ano de 2024, que atingiu 18,1% de indigência no país.

Com uma inflação alimentar estável e com a manutenção dos programas sociais específicos, o governo conseguiu baixar a indigência. "O governo sustentou o poder aquisitivo do cartão de alimentação e do programa que garante um valor mensal ao responsável pelos filhos menores de 18 anos. Isso pode ter contribuído para que a indigência caia", afirmou Julia Elisoff, professora na Universidade de Buenos Aires (UBA).

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Aluguéis e outros custos não foram considerados

Por outro lado, ressaltou a pesquisadora, a metodologia utilizada pelo Indec usada não permite que se consulte a quantidade de famílias que foram viver na rua, com aumento dos aluguéis descontrolados. "Os valores dos aluguéis estão descontraídos e prejudicam a condição de vida das pessoas, impactando as questões mais estruturais do que estamos vivendo na Argentina. Muitas famílias foram viver nas ruas", ressaltou.

Ao celebrar os índices de pobreza e indigência, Milei recuperou a imagem de sua ministra de Capital Humano, Sandra Pettovello, política que ficou teve um começo de governo controverso e polêmico, sendo acusada por organizações sociais de reter os alimentos em depósitos e não distribuir as organizações que alimentam os mais pobres em bairros periféricos.

Milei fez questão de dar a Pettovello o crédito pela redução da pobreza e da indigência. "A pobreza cai e ela o sabe. Viva a Liberdade, Carajo", afirmou o presidente em uma postagem na rede social.

Reportagem

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