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André Santana

Exploração de ouro na Bahia gera preocupação com barragens no interior

Cachoeira Véu de Noiva, na serra onde acontece a exploração do ouro, em Jacobina, Bahia - Almacks Luiz
Cachoeira Véu de Noiva, na serra onde acontece a exploração do ouro, em Jacobina, Bahia Imagem: Almacks Luiz

Colunista do UOL

13/01/2021 12h35

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Vestido com gibão e chapéu de couro e montado em um boi, o prefeito Tiago Dias (PCdoB) assumiu a gestão da cidade de Jacobina, na Bahia, atraindo a atenção para o município de pouco mais de 80 mil moradores, localizada ao norte da Chapada Diamantina e a 340 km de Salvador.

O traje de vaqueiro homenageia a origem do político de 37 anos, filho de lavradores da zona rural da cidade, que foi eleito prefeito após dois mandatos como vereador do município. Entre as primeiras medidas do prefeito está a redução da própria remuneração, em 92%, fixando seu ganho em apenas um salário mínimo durante os próximos 12 meses.

Também chamou atenção por ter dispensado veículo institucional e motorista para se deslocar, no primeiro dia de expediente, em uma bicicleta.

Em meio aos elogiados gestos de humildade, o maior desafio do prefeito está mesmo em garantir a preservação ambiental diante da vocação histórica da cidade para a mineração, atividade que ocorre desde a descoberta de ouro na região no século 17.

Tiago Dias, Prefeito de Jacobina - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Prefeito tomou posse de gibão e chapéu de couro, em homenagem aos vaqueiros
Imagem: Reprodução/Instagram

Município é o que mais ganha reparações por exploração mineral

Por conta da exploração de ouro realizada na cidade pela mineradora canadense Yamana Gold, Jacobina lidera a lista dos municípios baianos com maior arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM).

Dados informados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que monitora os relatórios de arrecadação emitidos pela Agência Nacional de Mineração, revelam que Jacobina arrecadou mais de R$ 22.9 milhões em 2020, ano de crise econômica agravada pela pandemia. O valor é bem superior ao de 2019, quando a arrecadação ficou em torno de R$ 12 milhões.

¨Esse recurso deveria ser revertido para a área de preservação ambiental da cidade, principalmente em investimentos nas comunidades tradicionais, as mais impactadas pela exploração mineral", cobra o gestor ambiental Almacks Luiz, agente da CPT e membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.

Os recursos do CFEM não são vinculados, ou seja, a lei não não obriga que o gestor utilize na área ambiental.

O ambientalista ressalta a necessidade de cumprimento da Lei de Segurança de Barragem que, entre outras exigências, estabelece uma Zona de Auto Salvamento (ZAS) no entorno da barragem, para casos de emergência.

"Não é recomendado ter construções nesta área de risco. Em Jacobina, há loteamentos com residências e prédios escolares, além do sistema de tratamento de água da cidade", afirma Almacks.

Topinho do Mundo, Jacobina-BA - Almacks Luiz - Almacks Luiz
Morros como Topinho do Mundo, de mais de mil metros, possibilita o turismo de aventura
Imagem: Almacks Luiz

O promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia, Pablo Antonio Cordeiro de Almeida, explica que não há proibição de que haja ocupação na ZAS, mas é necessário o cumprimento de protocolos de segurança. A população que ocupa essa área (em Jacobina, cerca de 2 mil pessoas), precisa estar preparada para, em caso de rompimento da barragem, deixar suas residências por rotas indicadas até um ponto central pré-estabelecido.

Por meio da assessoria, a mineradora garante que possui uma base de dados das pessoas e propriedades da Zona de Auto Salvamento, com as quais mantém contato direto e regular, a partir de um departamento dedicado ao relacionamento com as comunidades.

Também confirma ter dado treinamento para emergência, incluindo a simulação de um incidente com a participação de mais de 60% da população da zona.

A Jacobina Mineração e Comércio (JMC), unidade baiana da mineradora Yamana Gold, anunciou que planeja ampliar a produção de ouro em até 31% a partir de 2023. Para isso a empresa investirá cerca de US$ 57 milhões na mina e na planta de processamento até 2022. Com a expansão, a expectativa é de que a produção de ouro anual no município salte para 230 mil Oz (onças), o equivalente a mais de 6.500 toneladas do minério.

A empresa informou que está revendo os requisitos técnicos para instalação de aterro que irá reduzir ainda mais o impacto ambiental da mina.

O receio de se tornar uma "nova Mariana ou Brumadinho"

A mineradora já possui duas barragens de rejeitos na bacia do rio Itapicuru. A primeira delas está em processo de fechamento por ter atingido o limite. Para Almacks Luiz, com o crescimento da exploração de ouro na cidade, há a necessidade de construção de novas barragens.

De acordo com o promotor, a segunda barragem da Yamana já foi construída com métodos mais modernos e seguros, incluindo a impermeabilização que impede o contato direto dos rejeitos com os lençóis freáticos. Mesmo assim, os riscos de rompimento não podem ser totalmente descartados.

"Uma barragem é sempre uma atividade de risco. É como dirigir um carro: mesmo com todos os equipamentos de segurança, pode ocorrer um acidente", compara Pablo de Almeida.

Somente em dezembro de 2020, o Ministério Público da Bahia produziu três relatórios sobre a atividade de mineração na cidade de Jacobina, com recomendações de segurança.

A preocupação do Ministério Público é que, mesmo na segunda barragem da Yamana, é possível observar os três fatores considerados gatilhos para o processo de liquefação, quando os rejeitos passam do estado sólido para o líquido, aumentando os riscos de rompimento.

Esta foi a causa das tragédias ambientais que ocorreram em Mariana, 2015, e em Brumadinho, 2018, ambas em Minas Gerais, com mais de 300 vítimas fatais.

Os fatores observados em Jacobina são: abalos sísmicos e tremores de terra; alteamento muito rápido, em desacordo com recomendações de segurança; e quantidade de água na barragem.

Em 2020, Jacobina registrou tremores de terra e índice recorde de chuvas

De acordo com os documentos do MP, em relação ao primeiro ponto, há erros nos estudos da empresa que consideraram a cidade como uma região sem riscos de abalos sísmicos. Ao contrário disso, há registros de ocorrências de tremores em Jacobina desde 1990, documentados nos Catálogos Sísmicos Brasileiros, versões 2013 e 2014.

Em 2020, ocorreram tremores em algumas cidades da Bahia, incluindo Jacobina, que registrou dois abalos somente em dezembro, com magnitude de 3 e 3.2.

Sobre os outros dois fatores de gatilho para uma possível liquefação, a cidade também registrou uma grande quantidade de chuvas fortes em 2020, com um recorde histórico no volume de água. Mesmo assim, segundo o MP, o alteamento da barragem continuou sendo realizado, contrariando recomendação de segurança.

Em 2 de dezembro de 2020, houve um escorregamento de material de estoque na área interna da barragem de rejeitos da Yamana Gold. O material sólido acabou soterrando um veículo da própria empresa. Não houve vítimas. Apesar de preocupação dos moradores, a mineradora informou que o incidente não influenciou a estrutura de segurança da barragem de rejeitos.

A empresa alega que a causa principal do incidente foi a chuva intensa além do normal que afetou os materiais de construção em estoque. E que as ações corretivas recomendadas já foram implementadas.

A barragem de rejeito foi interditada até o dia 23 de dezembro para vistoria de órgãos como a Agência Nacional de Mineração e o MP da Bahia, que considerou o incidente resultado de operação contrária às diretrizes de segurança.

Jacobina, cidade do ouro - Almacks Luiz - Almacks Luiz
Vista área de Jacobina, 'cidade do ouro'.
Imagem: Almacks Luiz

Prefeito afirma que "fará análise" sobre entorno de barragem

O prefeito eleito de Jacobina admite que as gestões anteriores não priorizaram a utilização dos recursos advindos da CFEM para o fortalecimento do sistema de meio ambiente da cidade. Tiago Dias afirma que até o final de janeiro apresentará o resultado de estudos que estão sendo realizado no âmbito da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.

"Estamos realizando um mapeamento das áreas da prefeitura que precisam de mais técnicos capacitados e o meio ambiente é uma prioridade da gestão".

Quanto ao risco da ocupação nas áreas do entorno da barragem, o gestor informa que haverá análise técnica e, se for necessário, pode ocorrer realocação.

Para Almacks Luiz, os problemas se agravaram quando as prefeituras passaram a compartilhar o gerenciamento ambiental, sem ter equipes técnicas para realizarem tarefas, como licenciamentos e monitoramento de impactos.

O retorno financeiro da exploração destes recursos ambientais é outro fator que coloca as prefeituras submetidas à dinâmica das empresas.

"Como nos ensina o teólogo Leonardo Boff, é preciso analisar que o prefixo eco de Ecologia é o mesmo da Economia, estão interligados. É preciso compreender os impactos de um no outro e buscar o equilíbrio", afirma Almacks Luiz.