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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Conheça o bailarino Zebrinha que deu nota baixa a Gkay na Dança dos Famosos

Zebrinha, Ana Botafogo e Carlinhos de Jesus compõem o júri técnico do Dança dos Famosos 2022 - João Miguel Jr/Globo
Zebrinha, Ana Botafogo e Carlinhos de Jesus compõem o júri técnico do Dança dos Famosos 2022 Imagem: João Miguel Jr/Globo

Colunista do UOL

08/04/2022 18h04

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A presença do bailarino e coreógrafo José Carlos Arandiba, o Zebrinha, é um dos destaques da nova temporada do quadro Dança dos Famosos, do Domingão com Huck, da Rede Globo, que estreou no último domingo (3).

Ao lado de Ana Botafogo e Carlinhos de Jesus, Zebrinha integra o júri técnico fixo, que nesta edição ganhou mais peso em relação ao júri artístico. Este último muda a cada semana e cumpre a limitada função de elogiar e dar dez a todos os participantes.

Cabe aos experientes profissionais da dança os comentários e explicações técnicas, além das notas que fazem a diferença na competição.

Na estreia, Zebrinha utilizou com habilidade seu vasto repertório que une dança clássica e moderna, sua experiência em importantes companhias norte-americanas e europeias, além de seu mergulho na cultura popular, na dança afro-brasileira e nas manifestações de herança africana no Brasil.

José Carlos Arandiba, o Zebrinha: bailarino e coreógrafo baiano - Adeloyá Ojú Bará - Adeloyá Ojú Bará
O baiano José Carlos Arandiba: mais de 40 anos de dedicação à dança
Imagem: Adeloyá Ojú Bará

"Dançar é conversar com os deuses"

Esta foi a fala inicial dele no programa, dando espaço para análises embasadas na técnica e no afeto.

É provável que a produção nem soubesse o quanto a atração precisava da presença luminosa deste artista, que tem a capacidade de exaltar a potência dos corpos e o papel civilizatório da arte, em especial, da dança, para o povo brasileiro.

Participação de Zebrinha como jurado técnico faz reparação à dança negra

Com uma extensa carreira internacional e mais de quatro décadas dedicadas à dança, desde 1993, Zebrinha é diretor artístico de dois dos mais importantes grupos da cultura baiana: o Bando de Teatro Olodum e o Balé Folclórico da Bahia.

A consolidada companhia teatral revelou ao Brasil o ator Lázaro Ramos e fez sucesso nacional no cinema e na televisão com Ó Paí, ó, uma das criações do repertório autoral do grupo que, há 32 anos, realiza um teatro de estética negra e popular.

Já o Balé Folclórico da Bahia, criado em 1988, em Salvador, é uma das companhias de dança mais aclamadas do mundo, com elogiadas turnês por diversos países.

Com reconhecimento do público e da crítica especializada, o Balé Folclórico da Bahia, dirigido por Zebrinha e por Walson Botelho, seu criador, foi a escola de mais de 700 bailarinos que hoje brilham em companhias pelo mundo, além de músicos, capoeiristas, artistas do canto e das artes cênicas, revelados em seus espetáculos.

Nadir Nóbrega e Zebrinha (José Carlos Arandiba): pioneiros da dança negra na Bahia - Adeloyá Ojú Bará - Adeloyá Ojú Bará
Nadir Nóbrega e Zebrinha (José Carlos Arandiba): memória dos pioneiros da dança negra na Bahia será registrada em documentário
Imagem: Adeloyá Ojú Bará

"Zebra é um cara fundamental para a dança brasileira, para a dança afro, para a dança moderna", disse a atriz e cantora Jessica Ellen, uma das candidatas do Dança dos Famosos.

Muito emocionada pela presença do artista no corpo de jurados, Jessica foi até o mestre abraçá-lo e pedir a benção.

Talvez muitos espectadores não tenham compreendido a celebração daquelas presenças e a dimensão do reconhecimento mútuo por conta da invisibilidade e do apagamento de trajetórias negras tão marcantes para a cultura brasileira.

"Todo mundo tem sua dança"

Zebrinha representa muitos artistas que sintetizam no corpo o encontro entre a excelência da performance negra, em seu mais alto nível, e o ativismo social e político comprometido em alterar histórias de interdições e abrir caminhos de oportunidades e revelação de talentos.

Para além do coreógrafo e professor cheio de conteúdos para compartilhar, os artistas mais jovens encontram em Zebrinha uma referência de vida, de resistência e de valorização das suas próprias potencialidades.

"Todo mundo tem sua dança. É só colocar sua dança no lugar certo e no momento certo", disse o jurado após a apresentação da cantora Jojo Todynho, destacando a memória ancestral preservada no corpo, que possibilita que ela brilhe em cena.

Exigente, Zebrinha deu nota 7.9 para a influenciadora digital GKay, prejudicada pelo nervosismo de ser a primeira a se apresentar. Mas ela também contou com a aposta do mestre para as próximas apresentações: "Hoje será o dia do incentivo", disse ele.

Extenso currículo

Zebrinha é formado em dança clássica e moderna pela conceituada Alvin Ailey American Dance Theatre, dos Estados Unidos e na Stedelijk Conservatorium en Dansacademie te Arnhem, da Holanda, onde também lecionou.

Deu aulas em diversos países da Europa e atuou em shows com artistas consagrados tais como Joel Grey, Ben Vereen, Liza Minelli e Tina Turner.

Essa não é a primeira experiência de Zebrinha na Rede Globo. Em 2012 foi coreógrafo da novela Lado a Lado e, em 2015, da série Mr. Brau, ambas produções que contaram com o protagonismo de Lázaro Ramos, que tem Zebrinha como um guru.

Lázaro já falou em várias oportunidades da importância intelectual e artística do coreógrafo em sua carreira, desde quando o conheceu, aos 15 anos, no Bando de Teatro Olodum.

O coreógrafo Zebrinha e a dançarina Luiza Meirelles - Adeloyá Oju Bará - Adeloyá Oju Bará
O coreógrafo Zebrinha e a dançarina Luiza Meirelles
Imagem: Adeloyá Oju Bará

Incentivar os alunos a expressarem o melhor que possuem é marca do mestre, o que justifica seu modo rígido e suas severas cobranças.

"A partir do momento que entra na minha aula, não há mais ninguém humilde. Todo mundo tem capacidade e todo mundo tem muitas possibilidades"

É o que costuma repetir , destacando que a dança é "2% talento e 98% trabalho e dedicação".

Memória da dança negra na Bahia

Iniciado no candomblé para o orixá Ogum, arquétipo afro-brasileiro do guerreiro desbravador, Zebrinha é um dos pioneiros na luta pela profissionalização e valorização dos dançarinos negros, historicamente desprestigiados mesmo em uma cidade como Salvador.

Na década de 1970, ele acompanhou os caminhos inaugurados por uma geração de artistas como Raimundo Bispo dos Santos, o mestre King, e Clyde Morgan, responsável por introduzir a dança negra na estrutura de ensino da Universidade Federal da Bahia, uma das primeiras a ter uma escola de nível superior em dança do Brasil.

A contribuição desses mestres e a memória da dança negra na Bahia está sendo contada em um documentário idealizado e dirigido por Zebrinha. O filme traz performances, registros guardados em imagens de arquivo e entrevistas com diferentes gerações de dançarinos.

As gravações já começaram em Salvador e a previsão é que o lançamento aconteça ainda este ano. O roteiro é da cineasta e produtora Susan Kalik, junto com o próprio Zebrinha. A produção é da Modupé Produtora.

"A cultura e as artes negras são facilmente ignoradas por serem pouco registradas ou por serem contadas apenas pela ótica do branco. Na Bahia, o estado mais negro do Brasil, não é diferente. Sem registros, são facilmente esquecidos os feitos e conquistas do povo negro"
Zebrinha, justificando a realização do documentário

"O filme traz muitas histórias inspiradoras de resistência, coragem e crença na arte. Mas também abordará o racismo que limitou muitas trajetórias. Não quero amenizar o discurso. O documentário também terá um tom de denúncia", antecipa o coreógrafo em sua primeira experiência na direção audiovisual.

Coragem, dedicação e resistência de um artista inspirador, que agora o público da televisão brasileira poderá ter a oportunidade de conhecer em suas aparições na Dança dos Famosos.

Que a tevê se reencontre com seu povo por meio de talentos e trajetórias de orgulho como a de José Carlos Arandiba.