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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

"Quem fez o enredo esse ano foram os orixás", celebra Brown na Sapucaí

Em estreia como compositor de samba-enredo, Carlinhos Brown celebra reafricanização do Carnaval - Diego Mendes
Em estreia como compositor de samba-enredo, Carlinhos Brown celebra reafricanização do Carnaval Imagem: Diego Mendes

Colunista do UOL

24/04/2022 15h00Atualizada em 09/05/2022 11h55

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O músico Carlinhos Brown fez sua estreia neste Carnaval 2022 como compositor de samba-enredo, integrante o grupo criador da música que embalou o desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel.

A escola carioca desfilou neste sábado, 23, o tema "Batuque ao Caçador", homenageando o orixá Oxóssi, com o samba criado por Carlinhos Brown, Diego Nicolau, Richard Valença, Orlando Ambrosio, Gigi da Estiva, Nattan Lopes, JJ Santos e Cabeça do Ajax.

Em entrevista ao final do desfile, Brown destacou a quantidade de temas afro nos desfiles das escolas de samba neste ano, com muitas celebrando as divindades do Candomblé, religião afro-brasileira.

"Um ano em que ninguém fez o enredo, desculpem senhores, quem fez o enredo esse ano foram os orixás. Porque os orixás escolheram o xirê pra vir para a Avenida. Por isso todas as escolas se manifestaram através do seu pavilhão, através do otá do seu terreiro", Carlinhos Brown.

O xirê é o nome dado às rodas realizadas nos terreiros para exaltar as divindades com música e dança. O otá é a representação da força dos orixás na forma de assentamentos.

Confira o vídeo da entrevista concedida por Brown, no estúdio Globeleza, após o desfile:

Celebração contra a Intolerância

Além da Mocidade Independente com o tema Oxóssi e a Grande Rio, que contou as lendas e mitos de Exú, os orixás estiveram representados em diversos desfiles, como o da Paraíso do Tuiuti que trouxe Oxalá e Nanã na Comissão de Frente, para contar a criação do mundo pela ótica dos yorubás.

Já a Vila Isabel abriu o desfile com uma enorme imagem de Omolú, coroando Martinho da Vila, presidente de honra da escola e enredo deste ano.

Carlinhos Brown em desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel, no Carnaval 2022 - Diego Mendes - Diego Mendes
Carlinhos Brown em desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel, no Carnaval 2022
Imagem: Diego Mendes

"Isso transforma o futuro e a visão sobre África e sobre afro-brasileiros em encaminhamento positivo", comemorou Carlinhos Brown, chamando atenção de que, desde 1984, quando o sambódromo da Marquês de Sapucaí foi inaugurado, nunca viu algo tão sincronizado.

"A reafricanização se impõe diante das adversidades, da falta de respeito, da intolerância. E quando a gente fala de intolerância, a gente está falando apenas que não conhece o outro. Porque quem conhece o outro sabe que Deus pertence a todos", alertou Carlinhos Brown.

Referência negras foram destaque na maioria dos desfiles

As histórias de resistência da população negra foram os temas mais recorrentes nos enredos das escolas de samba no Carnaval 2022, no Rio de Janeiro, após um ano sem desfiles por conta da pandemia de Covid.

Nem mesmo as efemérides que marcam 2022 como o ano dos duzentos anos da proclamação da independência do Brasil e os cem anos da Semana de Arte Moderna receberam registro das escolas.

Ao invés disso, os desfiles deste ano deram destaque a figuras fundamentais para a história do povo negro no Brasil, como a atriz Chica Xavier, o ator Milton Gonçalves, a yalorixá Mãe Stella de Oxóssi, o lendário capoeirista Besouro, o sambista e comediante Mussum, além dos mestres do samba Cartola, Jamelão e Delegado, homenageados pela Mangueira, Djalma Sabiá, um dos fundadores da Salgueiro, e o já citado Martinho da Vila, enredo da Vila Isabel.

Além da celebração das identidades artísticas e religiosas do povo preto, a intelectualidade negra também deu a tônica dos sambas deste ano.

O desfile da escola de samba Beija Flor trouxe a contribuição dos africanos e seus descendentes para o pensamento mundial, apresentando o feminismo negro, a filosofia africana e a rica produção literária, poética e científica de intelectuais negros brasileiros, como Milton Santos, Djamila Ribeiro e Conceição Evaristo.

Finalizando os desfiles do primeiro dia, já na madrugada de sábado, a Beija Flor ainda trouxe frases que impulsionam o levante negro contemporâneo como "Vidas Negras Importam" e "Enquanto houver racismo, não haverá democracia".

Depois de tantas dificuldades vivenciadas pela população, principalmente pelas comunidades negras, falou mais alto o desejo de resgatar suas próprias referências de luta e religiosidade, em busca de força para enfrentar os desafios do retorno às atividades interrompidas e denunciar os velhos problemas persistentes.

A festa feita na Avenida este ano reforça a importância do Carnaval para o fortalecimento das identidades afro-brasileiras e a valorização das heranças africanas no país.

Agora é não esquecer esses nomes e suas contribuições ao longo do ano.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado na primeira versão desta coluna, o enredo Empretecer o Pensamento, que trouxe a contribuição dos africanos e seus descendentes para o pensamento mundial, foi realizado pela Beija Flor e não pela Vila Isabel, como anteriormente noticiado. A informação foi corrigida.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL