Topo

André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com Lula na liderança, Bolsonaro vai à Bahia 'chorar aos pés do Caboclo'

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) - Eduardo Anizelli/Folhapress e Alan Santos/PR
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress e Alan Santos/PR

Colunista do UOL

01/07/2022 14h06

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O 2 de julho é a data mais importante no calendário da Bahia porque marca as lutas de 1823 para expulsão das tropas portuguesas que ainda permaneciam em território brasileiro após o grito de independência de 7 de setembro de 1822.

Deveria ser uma data nacional dada a importância das batalhas travadas em solo baiano e a participação popular para a independência do nosso país. Como já escrevemos aqui, para a consolidação da "Independência ou Morte", muitas lutas populares foram travadas no território nacional, entre o final do século 18 e início do 19.

O dia 2 de julho de 1823 é um dos marcos mais importantes neste processo —deveria ser mais conhecido pelos brasileiros e servir de inspiração para momentos como os atuais em que vivemos os riscos da tirania no poder.

A história do 2 de julho, celebrada todos os anos nas ruas de Salvador e cidades históricas da Bahia, confirma o poder de mobilização das camadas populares para as transformações necessárias à democracia.

Políticos testam popularidade nas ruas

Pelo seu caráter festivo, mas também político, anualmente a participação de figuras da política nacional nas comemorações em Salvador testa a popularidade delas, ainda mais em ano eleitoral.

Este ano, o cortejo volta a percorrer as ruas do Centro Histórico da capital baiana após dois anos suspenso em razão da pandemia. Quatro presidenciáveis confirmaram presença na cidade neste sábado: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).

Acontece que os baianos e visitantes conhecem muito bem a história ainda ignorada pelo restante do país. Os festejos do dia não têm espaço para líderes autoritários, que promovem ações antidemocráticas.

O Dois de Julho é dia de celebrar uma conquista popular, fruto da união de pessoas de diferentes classes sociais, entre negros libertos, mulheres, indígenas, proprietários de terras, entre outros grupos sociais, que possibilitaram uma frente de resistência à tirania do poder colonial.

Como cantamos em trecho do hino ao Dois de Julho:
Nunca mais o despotismo regerá nossas ações. Com tiranos não combinam brasileiros corações."
Trecho do Hino ao Dois de Julho

Ocupando as ruas, a população vai disposta a vaiar os maus políticos e a aplaudir seus candidatos preferidos em uma mobilização espontânea e democrática.

Há também as claques montadas, que tentam fazer barulho e competir com a massa popular, em uma difícil concorrência. Deve ser por isso que os eleitores do atual presidente, que vive o desespero de tentar aumentar sua aceitação no Nordeste, preferiram marcar em um local bem distante dos festejos populares e irem motorizados, para terem o apoio sonoro dos motores dos veículos.

Já o ex-presidente Lula, líder nas pesquisas, possui um histórico de participações no cortejo, sempre muito bem recebido pelos baianos, que têm confiado expressivas votações ao PT nas disputas nacionais e estaduais. O partido governa a Bahia há quatro gestões consecutivas.

Por medida de segurança e em razão de ocorrências em outros atos públicos da pré-campanha, é possível que este ano Lula não esteja no meio do povo no desfile do Dois de Julho. Uma recepção está sendo organizada na Arena Fonte Nova, com controle de acesso.

Confirmados no cortejo, apenas Ciro com sua pouco expressiva intenção de votos, associada à irritação por parte do eleitorado petista por conta das suas falas, e a ainda menos conhecida Simone Tebet, que poderá circular tranquilamente sem ser percebida.

População celebra a memória de guerreiros e guerreiras das lutas

Unanimidade de atenção mesmo apenas em relação aos heróis e heroínas da independência.

Figuras históricas com participação ativa nas lutas, que são relembradas em cartazes e fantasias pelos grupos culturais e nas decorações nas fachadas das casas do trajeto. Entre elas, o protagonismo feminino nas imagens de Maria Quitéria, Joana Angélica e Maria Felipa.

Três heroínas que desempenharam papéis decisivos na nossa independência e se mantiveram no imaginário popular não apenas pelos registros históricos, mas também pela encenação festiva que todos os anos reconta esses fatos nas ruas da Bahia.

Acima delas e bem distante das disputas políticas está a reverência ao Caboclo e à Cabocla do Dois de Julho. Ambos desfilam à frente do cortejo, sendo saudados por todos, em um misto de reconhecimento da identidade nacional —já que representam os povos originários—, da participação popular nas lutas —são guerreiros sem fardamento oficial— e da expressão da fé de um povo.

Os Caboclos do Dois de Julho integram a rica diversidade religiosa afro-indígena do Brasil.

Na passagem do cortejo, emocionados, os devotos fazem pedidos, agradecimentos, depositam cartas e oferendas em uma genuína demonstração de que, para além do contexto histórico, as entidades ali representadas se atualizam na fé e nas lutas cotidianas.

A devoção aos caboclos é tanta que uma das expressões mais recorrentes na Bahia é: "Vá chorar no pé do caboclo". Esse conselho, por vezes em forma de deboche, é dado em situações muito difíceis de serem resolvidas ou diante das quais já não há mais o que se esperar."

Pelos números das pesquisas nacionais na corrida eleitoral e com a rejeição que os baianos têm a certas figuras que estarão por aqui amanhã, nem adianta chorar aos pés do caboclo. Vão perder a viagem porque das ruas só receberão vaias ou indiferença.

A memória de resistência democrática do Dois de Julho não tem espaço para governantes tiranos e opressores.