André Santana

André Santana

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Que Oxóssi proteja Paulinho do racismo e ignore apelo do marido de Hickmann

A demonização das religiões de matriz africana praticadas, em sua maioria pela população, negra brasileira é parte das práticas racistas do Brasil.

O candomblé e a umbanda, principais expressões dessa religiosidade, são perseguidos e atacados e seus deuses são desrespeitados abertamente em cultos religiosos ou em exposições públicas e midiáticas.

Mais do que intolerância com práticas de fé diferentes das impostas pelo colonizador, o que se observa são palavras de ódio e atos de violência, que pregam a eliminação de todo o legado herdado do continente africano, o que justifica a denominação de racismo religioso para esses crimes.

Em tempos de redes sociais e do compartilhamento de comentários raivosos e irresponsáveis sem filtros, os racistas se sentem mais confortáveis para disseminar suas violências.

A mais recente vítima foi o jogador Paulinho, que após a derrota da seleção brasileira para a Colômbia por 2x1, na última quinta-feira, 16, foi alvo de ofensas motivadas pelo ódio religioso. O atleta, um dos poucos do futebol nacional a afirmar sua fé nos orixás, teve sua crença colocada como culpada pelo mau desempenho da equipe comandada pelo técnico Fernando Diniz.

O racismo brasileiro é cruelmente previsível em aguardar a menor oportunidade para depreciar as pessoas negras e todos os seus elementos identitários, como a fisionomia, a cultura e a religião.

Paulinho é o camisa 10 do Atlético Mineiro e um dos artilheiros do Campeonato Brasileiro, com 17 gols, sendo decisivo para ajudar seu time a ficar entre os primeiros na tabela.

Isso não é suficiente, porém, para evitar que recaia sobre ele e sua religião a culpa por mais uma derrota da seleção, que amarga uma fase ruim.

Quando o Brasil jogou mal e empatou com a Venezuela e jogou ainda pior e perdeu para o Uruguai, Paulinho e seus orixás não estavam em campo.

Que Oxóssi e Exú livrem Paulinho das ofensas racistas das redes

Mas Oxóssi, o orixá guerreiro, patrono dos caçadores e rei das florestas, continuará protegendo Paulinho, seu filho, para que o jogador continue fazendo o que sabe bem fazer, e mantenha sua cabeça erguida e continue, com dignidade, desempenhando bem seu futebol e exaltando a sua fé.

E que Exú, o orixá mensageiro, sempre lembrado por Paulinho, transforme o erro em acerto e dissipe os sentimentos ruins desejados contra o jogador.

Foi com orgulho que o atacante dedicou a Oxóssi o gol marcado na estreia da seleção brasileira na Olimpíada de Tóquio, em 2021, simulando com os braços o Ofá, o arco e flecha que simboliza o orixá.

Aquela vitória de 4 a 2 contra a seleção da Alemanha deu início à trajetória do bicampeonato olímpico brasileiro.

O orixá Oxóssi, rei da nação Ketu, é consagrado pela mira certeira. É tido como aquele que vence o inimigo com uma única flechada.

Com tanto talento para a caça é o Orixá que garante o alimento, o sustento da casa e da família.

Apelo cínico do marido de Hickmann a Oxóssi

Por isso muita gente estranhou quando viu o apelo a Oxóssi em uma publicação do empresário Alexandre Correa, que confessou ter agredido a sua esposa, a apresentadora Ana Hickmann, após discussão que começou na presença do filho, de apenas dez anos.

Na postagem, o empresário apelou a Oxóssi para tirar a tristeza do peito, dá coragem para seguir o caminho em paz (?) e poder ver o filho.

Se dizendo vítima de perseguição e ameaças, apontou como exagerada a cobertura da imprensa ao caso, que nomeou como uma "uma desinteligência do casal".

O Código Penal brasileiro chama de crime e tem uma lei específica, chamada Maria da Penha, para punir os casos de violência doméstica contra as mulheres, seja de forma física, psicológica, moral, sexual ou patrimonial.

Oxóssi é parceiro das Yabás

Não há entre os mitos contados nos terreiros como ensinamento sobre os orixás, nenhuma narrativa que relacione Oxóssi à violência doméstica ou à agressão às mulheres.

Ao contrário, há histórias de parceria com as yabás (orixás femininas) nas lutas civilizatórias da humanidade. Em especial, Oxum, com quem Oxóssi teve um filho, Logun Edé, o príncipe bonito dos orixás, união das matas com os rios, aquele que é ao mesmo tempo caçador e pescador, por gozar do amor da mãe e do pai.

Seria melhor, então, a Alexandre deixar Oxóssi de fora dessa sua situação.

Já basta de tanta depreciação da fé de matriz africana e associação caluniosa ao que não presta, motivada pelo racismo e pelo ódio religioso.

Não é da proteção de Oxóssi que ele precisa e sim da aplicação da lei. Que ele seja investigado e, se comprovadas as acusações já confessadas e outras denunciadas, que a punição seja exemplar.

De acordo com os dados da 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2022 foram 50 mil denúncias de violência contra a mulher e 1.400 casos de feminicídios registrados. O número da Central de Atendimento à Mulher é 180 e, em casos de urgência, o 190 também pode ser acionado. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana.

Em um país de tantos feminicídios e violências diárias contra as mulheres, um caso de repercussão como esse deve servir de alerta para frear os ímpetos criminosos dos homens violentos e encorajar outras mulheres em situações abusivas para a denúncia.

Que Oxóssi mesmo proteja Paulinho da intolerância religiosa e ignore o apelo cínico do marido de Ana Hickmann.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.