André Santana

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Opinião

Lula precisa entender mais qual 'imprensa digital' necessita de regulação

Apesar da coragem do presidente Lula em alguns aspectos, sua entrevista na manhã desta quinta (6) às mais tradicionais emissoras de rádios jornalísticas da Bahia (Metrópole e Sociedade), nos comprova que o governo ainda tem um longo caminho pela frente na discussão sobre os usos e abusos no ambiente digital e suas consequências para a democracia.

Positivamente, Lula criticou os abusos cometidos por quem produz conteúdos para internet e voltou a apoiar a regulação do setor. No entanto, nomeou de "imprensa digital" os que, para ele, falam bobagem, incentivam crimes e difundem desinformação que compromete, inclusive, a economia do país.

"A liberdade de expressão não é as pessoas utilizarem esse meio de comunicação para canalhice, para fazer provocação, para mentir todo santo dia, porque isso bagunça a economia, o varejo, o mercado como um todo, é preciso que haja seriedade", cobrou o presidente Lula.

Acontece que opor "imprensa digital" à "imprensa normal", escrita ou de radiodifusão, mais bagunça do que contribui para esse debate tão urgente para o país. Lula não pode generalizar todos os conteúdos digitais.

Dada a importância do tema e do tamanho dos adversários contrários a qualquer medida de controle social do ambiente digital, o presidente precisa ser mais preciso ao fazer as acusações e definir bem quem são os que abusam das redes para atentar contra a democracia e a cidadania. Algo que parece óbvio, mas que se faz extremamente necessário.

Há muito tempo, o jornalismo se adaptou aos meios digitais dialogando os conteúdos impressos e audiovisuais para o ambiente da internet. Os grandes veículos do jornalismo profissional atuam na imprensa digital.

A própria entrevista de hoje às emissoras de rádios foi transmitida simultaneamente pelo YouTube. Ou seja, há uma imprensa digital muito séria. Estas estão sendo desprestigiadas pelas próprias plataformas digitais em detrimento dos conteúdos produzidos por usuários comuns, alguns escondidos no anonimato para representar grupos de poder que não respeitam as leis e as instituições democráticas.

Lula não deveria utilizar o termo "imprensa digital" para generalizar a quantidade de conteúdos produzidos de forma irresponsável na internet e que alimentam uma rede de desinformação, discursos de ódio e fake news.

Assim, ele continua a atiçar a oposição dos grandes grupos de comunicação do país que sempre se colocaram contrários a qualquer tipo de controle social da mídia no Brasil e que somente se deram conta da gravidade do descontrole com os prejuízos trazidos pela liberação das plataformas digitais para todo tipo de uso, incluindo os que fingem um caráter jornalístico, para mentir, espalhar o terror e até controlar o Estado.

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Proibição de celulares nas escolas

Outro ponto destacado pelo presidente, e que reflete esse embate às plataformas digitais, foi a lei que passou a proibir o uso de telefones celulares nas escolas. Lula destacou os algoritmos digitais como o alvo central da medida.

"Quando nós aprovamos a proibição do telefone celular na escola é porque a gente quer respeitar o jovem, quer respeitar a criança, quer respeitar o professor e quer respeitar o humanismo. Ou eu cuido do humanismo agora, ou os algoritmos vencerão", disse.

Essa tentativa de ação no ambiente digital não é novidade por parte da gestão petista, mas ainda não conseguiu mobilizar apoios para ações mais significativas, para além das medidas tomadas pelo STF, sobretudo nos processos eleitorais.

Durante o segundo mandato de Lula, a Secretaria de Comunicação Social elaborou um projeto para criar um marco regulatório da comunicação eletrônica. O chamado anteprojeto para a Lei de Comunicação Eletrônica não chegou a ser encaminhado para o Congresso e foi engavetado na gestão de Dilma Rousseff.

Outras tentativas para combater os crimes em ambiente digital já passaram pelo Congresso Nacional, como o projeto de Lei das Fake News, que combate as notícias falsas e teve tramitação barrada pela oposição da extrema direita e pouco interesse dos demais políticos.

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Pelas entrevistas mais recentes dadas pelo presidente, é possível elencar quais os temas serão prioritários pela comunicação do governo, agora sob comando do marqueteiro Sidônio Palmeiras, na tentativa de reverter a baixa aprovação da gestão Lula 3.

Pesquisa Genial/Quaest divulgada na semana passada mostrou que o índice de aprovação ao governo Lula recuou cinco pontos, de 52% para 47%, e ficou pela primeira vez atrás do percentual dos que reprovam a atual gestão. Segundo o levantamento, 49% agora dizem desaprovar a atuação do presidente, dois pontos a mais do que o índice dos que aprovam.

Mesmo assim, o atual presidente é o favorito na corrida presidencial de 2026. A mesma pesquisa revelou que Lula venceria em todos os candidatos de oposição em primeiro e segundo turnos, nos cenários testados pela pesquisa, que incluiu os nomes de Eduardo Bolsonaro, Pablo Marçal e o cantor Gusttavo Lima.

Se o combate aos crimes cometidos na internet é uma prioridade desta nova fase da comunicação do governo, é preciso um alinhamento no discurso e uma melhor definição dos inimigos dessa tão importante ferramenta que é o ambiente digital.

*Após a publicação do texto, a Secom da Presidência da República entrou em contato com a coluna e esclareceu que, ao defender a regulação no ambiente digital, o presidente Lula estava se referindo às plataformas digitais, não à atuação da imprensa profissional.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.