André Santana

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Opinião

Trabalhadores informais do Carnaval enfrentam exploração e descaso

O incêndio ocorrido nesta quarta-feira (12) em uma fábrica de fantasias em Ramos, zona norte do Rio de Janeiro, expõe, mais uma vez, como o Carnaval brasileiro é uma festa desigual. Celebrado como a maior manifestação popular do país, esconde nos bastidores uma realidade marcada pela precarização do trabalho e pela exploração dos que estão na base da cadeia produtiva e garantem a beleza e riqueza do espetáculo.

Enquanto a folia movimenta bilhões de reais e atrai turistas do mundo inteiro, os trabalhadores que fazem a festa acontecer enfrentam condições indignas, sem segurança, direitos trabalhistas ou remuneração justa. Essa situação se repete em diferentes cidades do Brasil, como o Rio de Janeiro e Salvador, revelando um padrão de exploração que contrasta com o brilho das avenidas e trios elétricos.

O incêndio da fábrica de fantasias que deixou 21 pessoas feridas, sendo 10 em estado grave, revela a negligência e o risco enfrentado por quem trabalha nos bastidores do desfile. As denúncias publicadas pela imprensa dão conta de que muitos que trabalhavam na fábrica enfrentavam jornadas exaustivas e precisavam dormir no local por dias. Alguns alegaram não terem dinheiro para retornarem para seus lares.

Sem condições adequadas de segurança, vistoria ou fiscalização, muitos profissionais atuam em locais improvisados, onde também dormem, ficando expostos a perigos como incêndios e desabamentos. O incidente, que gerou pânico, comprometeu imóveis da vizinhança e impactará o desfile das escolas de samba do grupo Ouro, o grupo de acesso que reúne as escolas com menor poder econômico e midiático, acendeu um alerta sobre a falta de respeito dos contratantes e de fiscalização pelos órgãos públicos para garantir a integridade desses trabalhadores.

'Cordeiros' e ambulantes revelam desigualdade

Em Salvador, a exploração dos "cordeiros", como são chamados os trabalhadores que seguram as cordas dos blocos de Carnaval durante os desfiles, é uma denúncia recorrente. Responsáveis por garantir a divisão entre os foliões pagantes e os chamados "pipocas", esses trabalhadores enfrentam horas de esforço extenuante sob sol ou chuva, sem estrutura adequada e com remuneração ínfima.

Apesar da crescente mobilização e da fiscalização, os cordeiros continuam sendo tratados como mão de obra descartável, recebendo cerca de R$ 80 por dia, enquanto os abadás podem ultrapassar o valor de R$ 1.500 por um único dia de desfile em blocos animados por estrelas como Ivete Sangalo e Bell Marques.

Somente nos últimos anos, os blocos foram pressionados e passaram a garantir um mínimo de cuidados com esses trabalhadores, após serem cobrados a oferecer lanche, água e os equipamentos de segurança, como protetores auriculares e luvas. Mesmo assim, ainda são flagrantes os casos de cordeiros atuando sem proteção.

Também ainda há muitas reclamações pela qualidade do alimento oferecido e pela demora para o recebimento do pagamento após o fim do Carnaval.

O sindicato que defende os cordeiros ainda luta pela criação, por parte do poder público, de espaços de acolhimento, onde os trabalhadores possam descansar, usar banheiros e se alimentar dignamente antes e depois dos desfiles dos trios. Já que muitos precisam emendar o desfile de mais de um bloco no mesmo dia para que a renda seja minimamente suficiente.

O contraste entre o luxo das grandes produções e a miséria dos que garantem a festa é um reflexo da desigualdade social que permeia o Carnaval.

Outro grupo de trabalhadores do Carnaval, os vendedores ambulantes de Salvador enfrentam uma batalha anual contra o poder público para garantir seu sustento durante a festa. Embora a digitalização do credenciamento tenha minimizado parte das humilhações das filas, a disputa agora ocorre pelo espaço nas avenidas da folia.

A prática de marcar territórios nas calçadas para garantir um local de venda tem sido alvo de repressão, com acusações de pichação e depredação do patrimônio público e ameaça de descredenciamento para o trabalho na festa.

No entanto, essa atitude considerada ilegal pelos órgãos municipais é, na realidade, um reflexo da falta de organização e suporte oferecido aos trabalhadores informais.

Todos os anos, famílias inteiras, incluindo crianças e idosos, se transferem para as ruas durante a semana inteira do Carnaval de Salvador, na esperança de algum retorno financeiro com a comercialização de comidas e bebidas.

Colocar os nomes nos espaços é uma tentativa dos vendedores de evitar passarem ainda mais dias e noites nos locais insalubres antes do período da festa.

A situação exige uma mudança urgente com a responsabilização de quem contrata e lucra com a festa, além das prefeituras que coordenam. Cabe também uma efetiva fiscalização por parte do poder público pelo respeito às leis que combatem esse tipo de exploração.

Em vez de disputarem nas redes sociais sobre qual cidade tem o maior Carnaval do Brasil, as prefeituras deveriam se comprometer em fazer da festa um evento mais justo e inclusivo.

Para que o Carnaval seja verdadeiramente democrático todos --foliões, trabalhadores, moradores e turistas-- devem usufruir de seus benefícios de maneira digna.

É necessário um compromisso sério com a fiscalização das condições de trabalho, a valorização da mão de obra e a criação de políticas que garantam que o maior espetáculo popular do país não seja sustentado pelo suor e sofrimento de quem faz a festa acontecer.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.