Sem estereótipo, filme Kasa Branca mostra a favela como pouca gente conhece

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O filme "Kasa Branca", de Luciano Vidigal, é um retrato sensível e emocionante da vida na favela, destacando os afetos, laços comunitários e os modos de sobrevivência da população negra em meio à carência econômica e de acesso a direitos.
Fugindo dos clichês de violência e criminalidade que frequentemente permeiam representações cinematográficas de comunidades periféricas, o filme opta por uma abordagem mais humana e delicada, enfatizando o amor, a amizade e a solidariedade.
Com um elenco composto por jovens talentos negros, a narrativa acompanha a jornada de três amigos e suas vivências. O diretor, que faz parte do Grupo Nós do Morro desde 1990, imprime autenticidade e pertencimento à história retratada.
Assim como em seus trabalhos anteriores, a exemplo de "Concerto para Violino", um dos episódios mais tocantes de "5X Favela", Vidigal continua explorando as saídas possíveis para os moradores da favela.

Nem bons, nem maus, mas muito humanos
Longe do maniqueísmo, os personagens não são heróis sem vícios, ao contrário, apresentam suas formas, às vezes nada edificantes, de superar as adversidades da vida.
Uma das cenas bem representativas dessa proposta é a batida policial, uma ameaça constante na rotina dos jovens negros brasileiros. Os amigos estavam errados, a solução apresentada pelos policiais também. Mas o desfecho da cena foge à expectativa criada no espectador acostumado com os filmes que retratam as periferias com muita violência, porrada e sangue.
O filme de Vidigal, ao contrário, prioriza retratar a força das relações afetivas e o papel das artes e da amizade na construção da esperança.
A presença da cantora Gil Fernandes e do rapper L7nnon ilumina essas outras possibilidades para o jovem negro da favela brilhar.
A relação entre o neto e a avó, as desilusões amorosas e os conflitos emocionais dos personagens são abordados com delicadeza, compondo um quadro de sentimentos que ressoa profundamente com o espectador, mas sem resposta ou finalizações fáceis.
A ousadia de ser feliz
O fio condutor da trama, a angústia de um filho abandonado pelo pai, revela como as feridas emocionais impactam a liberdade e a felicidade. Enquanto o protagonista não supera essa dor, permanece preso a uma amarra que o impede de seguir em frente. No entanto, o filme sugere que a superação é possível através do extravasar a liberdade, sintetizado na cena final do protagonista ou no conselho de uma mãe, que recomenda que o filho precisa "dançar para a vida".
Esse "dançar para a vida" é a escolha do personagem André (Del), vivido por Big Jaum, quando convoca os colegas a "zoar a porra toda", levando a avó para os lugares marcantes para a vida da anciã, já determinada pela insensibilidade dos médicos como sem mais chances de vida.
Neste aspecto, o filme poderia ser mais lúdico e explorar com mais cores a ousadia em ser feliz do jovem Del, já que o filme, apesar de tão realista, desperta sonhos e ilusões. Não por acaso, é tão marcante a presença da música Sonho Meu, de Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho, na bem acertada trilha musical do filme.
Sutil e amoroso, "Kasa Branca" reafirma a beleza e a complexidade da vida na favela, sem caricaturas ou estereótipos. Vidigal constrói um cinema comprometido com a realidade, mas também com a esperança, oferecendo ao público uma visão mais ampla da periferia. Um filme necessário, que emociona e inspira.
Em meio ao reconhecimento do público ao cinema brasileiro, vale muito a pena prestigiar "Kasa Branca", mais um exemplar do projeto de cinema negro, que toca em sentimentos e afetos comuns a todos, mas especialmente da população negra que, assim como os realizadores, é moradora das periferias, excluídas de acessos a direitos e oportunidades, mas ainda assim mantém uma fé na vida, apostando na solidariedade, na força comunitária e no cuidado mútuo.
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