André Santana

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Opinião

Wanda Chase marcou a TV numa época em que diversidade não estava na moda

A comunicação brasileira perdeu hoje uma de suas grandes vozes com o falecimento da jornalista Wanda Chase, aos 74 anos, em Salvador (BA).

Ela teve complicações em uma cirurgia de emergência no coração, realizada após ser diagnosticado um aneurisma na aorta

Nascida em Manaus (MA), Chase escolheu Salvador há mais de 30 anos, onde se radicou, atuando na televisão local e no ativismo dos movimentos negros.

Ela cursou jornalismo na Universidade Federal do Amazonas, passou por importantes veículos de comunicação, como o Jornal A Crítica, Rede Manchete, TV Cabo Branco, Rede Globo Nordeste. Por 27 anos, atuou como repórter e apresentadora na TV Bahia, afiliada da Rede Globo no estado.

Entre as grandes coberturas realizadas ao longo de sua carreira está a visita do astro do pop Michael Jackson, ao Pelourinho, em 1996, para gravar com o Olodum, atuação realizada ao lado da grande amiga e parceira de profissão, Glória Maria, falecida em 2023.

Após a saída da TV, Chase continuou escrevendo sua coluna "Opraí Wanda Chase" no Portal IBahia e trabalhando em projetos especiais, como a cobertura do Carnaval, o podcast "Bastidores com Wanda Chase" e um livro sobre axé music.

Evangélica, Wanda Chase frequentava a Igreja Batista, mas nunca deixou de valorizar e respeitar todas as expressões religiosas, especialmente as de origem africana.

Pioneira da presença negra na televisão brasileira, a jornalista enfrentou e desafiou um espaço ainda marcado pela exclusão e pela falta de diversidade. Sua trajetória foi marcada pela coragem e pela afirmação da identidade negra, tornando-se uma inspiração para as gerações que vieram depois dela.

Muito antes da importância que a representatividade negra tem conquistado somente recentemente na mídia, Wanda já atuava com firmeza, destacando-se não apenas pelo seu talento, mas pelo compromisso com uma comunicação combativa e transformadora.

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Além do seu visual, que sempre exaltou a estética negra, reafirmando sua identidade e sua luta, suas pautas não deixavam margem para dúvidas: eram atravessadas pela necessidade de dar protagonismo às vozes negras, trazendo para o centro do debate aqueles que, historicamente, foram marginalizados.

Glória Maria e Wanda Chase: amigas, parceiras de profissão e de resistência
Glória Maria e Wanda Chase: amigas, parceiras de profissão e de resistência Imagem: Acervo pessoal / Reprodução Instagram

No livro "Comunicação Antirracista: um guia para se comunicar com todas as pessoas, em todos os lugares", a jornalista e pesquisadora Midiã Noelle destaca Wanda Chase como uma das mentes mais importantes do jornalismo, a quem tinha como referência.

"Sua autenticidade brilhava nos diálogos desconstruídos e descontraídos com os artistas baianos, que sempre a reverenciavam e respeitavam. Ela era o símbolo da elegância afrocentrada, nunca alisou o cabelo, sempre o usando no estilo curto e crespo, nem deixou de usar roupas e batons de cores fortes, ou diminuiu seu sorriso largo para seguir um padrão visual 'pastoso', mesmo que isso significasse receber olhares questionadores", reflete Midiã Noelle em trecho de seu livro.

O cientista social, comunicador e rapper Richard Santos, professor da Universidade Federal do Sul da Bahia, destacou que Wanda Chase era uma referência ética e afetiva.

"Sua voz negra ressoava com dignidade nos meios de comunicação baianos e nacionais — espaços ainda profundamente marcados pelo racismo sistêmico", escreveu ele, que é autor de obras como "Branquitude e Televisão: a Nova África (?) na TV Pública (2018)" e "Maioria Minorizada (2020)".

Para Richard, apesar de sua longa carreira e anos de televisão, é importante reconhecer que Wanda nunca teve o efetivo destaque que merecia.

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"Em minha percepção, sua "aposentadoria" precoce está diretamente ligada à lógica da branquitude dominante nos canais hegemônicos brasileiros — onde uma mulher negra do Norte, falando em nome da maioria minorizada, nunca foi o perfil idealizado pelo establishment midiático. Ainda assim, ela seguiu com dignidade e firmeza, deixando sua marca onde pôde, abrindo caminhos e inspirando gerações", completou Richard Santos.

Wanda Chase transcendeu o jornalismo e se tornou uma referência também no meio cultural. Respeitada por artistas e produtores, ela foi uma especialista no Carnaval baiano, com um olhar atento e sensível para a força dos afoxés, blocos afro e do samba, que compõem a rica tradição do carnaval negro de Salvador.

Seu conhecimento e dedicação por essa expressão cultural garantiram que muitas histórias e personagens fundamentais para a identidade afro-brasileira fossem devidamente valorizados e preservados.

No Carnaval de 2025, que celebrou os 40 anos do axé music, a cantora Ivete Sangalo prestou uma homenagem a Wanda Chase representando o reconhecimento da importância da jornalista para a história da música baiana nas últimas décadas. Do alto do trio elétrico, Ivete alterou a letra da música "Energia de Gostosa" para eternizar Wanda na memória coletiva do povo baiano. Um gesto que reflete o impacto e a imortalidade de sua presença.

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, publicou uma homenagem em seu perfil no Instagram. "Com uma carreira brilhante na TV Bahia, Wanda destacou-se não apenas por sua competência profissional, mas também por sua paixão e dedicação à cultura baiana".

O legado de Wanda Chase permanecerá vivo, inspirando novos jornalistas, comunicadores e artistas. Seu nome estará para sempre associado à luta pela diversidade, pela valorização da cultura negra e pela resistência de um povo que nunca deixou de lutar por seu espaço.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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