De Zambelli a Léo Lins: quem a extrema direita protege em nome da liberdade
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Crescem os discursos da extrema-direita que acusam a Justiça brasileira de ser um entrave à liberdade. Eles alegam que o Judiciário interfere demais, que judicializa o debate político e que atua fora dos limites constitucionais.
Em nome dessa tal "liberdade", o que se quer, na verdade, é que a Justiça seja omissa e feche ainda mais seus olhos diante de crimes cometidos contra a democracia.
Eles reclamam, mas como seria o Brasil sem a intervenção do Judiciário nos últimos anos em que o regime democrático foi tão ameaçado?
Um país à mercê de figuras como Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro e outras figuras da extrema-direita, que saíram do Brasil por não aceitarem respeitar as leis e as instituições nacionais.
Os valores arrecadados em uma vaquinha pela agora foragida internacional Zambelli, às vésperas de deixar o país, confirmam que muitos concordam, e até financiam essa ideia de que é possível agir à revelia da Justiça.
Esse é o país que querem construir utilizando o discurso da liberdade.
Um país no qual seria aceitável perseguir, de arma em punho, um homem pelas ruas às vésperas de uma eleição, apenas por divergência política? Ou invadir o sistema do Conselho Nacional de Justiça com falsidade ideológica, inserindo documentos forjados, inclusive, um falso mandado de prisão contra um ministro do STF.
Seria o caos institucional travestido de ordem moral, e é justamente isso que muitos desses radicais de direita desejam: um Brasil sem limites, sem leis, sem freios. Onde a mentira é a norma e a violência é método.
Não à toa, o expediente preferido dos extremistas é a desinformação. Foi o que vimos no recente encontro de comunicação da direita radical, em Fortaleza, com a presença do ex-presidente da República que, vale lembrar, responde por liderar uma tentativa de golpe que incluía o assassinato de autoridades.
O evento ofereceu o que a reportagem do The Intercept, que esteve no local, chamou de "treinamento de guerra". Oficinas com representantes de big techs, como Google e Meta, ensinaram políticos a usar inteligência artificial na disputa eleitoral.
Animados, saíram com o caminho das pedras para manipular textos, fotos e vídeos, distorcer fatos e fabricar narrativas falsas, colocando em risco as próximas eleições.
Por isso, a resistência dessa turma à regulamentação das redes sociais. Defendem que as plataformas digitais continuem do jeito que estão, sendo utilizadas para fomentar mentiras, discursos de ódio, incitações à violência, depreciação das instituições democráticas e tentativas de golpe.
Esse grupo, que grita por Deus, Pátria e Família é, na prática, o retrato da hipocrisia. Usam a religião como estratégia de sedução política, mas suas atitudes estão longe de qualquer ensinamento cristão. Distorcem o patriotismo, praticando a subserviência explícita a potências estrangeiras, em especial os Estados Unidos e déspotas como Donald Trump ou Elon Musk.
No quesito "família", a contradição é ainda mais revoltante.
O discurso moralista sobre a defesa da família esconde crimes hediondos. Dois casos recentes chocam e comprovam a real intenção criminosa contra vulneráveis que mais precisavam da proteção familiar: um deputado federal de Goiás, investigado por envolvimento sexual com um adolescente de 13 anos, e um vereador do Mato Grosso, preso em flagrante, acusado de manter uma menor em situação de exploração sexual e armazenar material ilícito envolvendo crianças.
Ambos do mesmo partido do "Brasil acima de tudo, e Deus acima de Todos", da liberdade de expressão nas redes sociais, dos envolvidos na tentativa de golpe e dos que se dizem perseguidos pela Justiça, que fogem do país e continuam a tramar contra a nação.
É essa a "liberdade" sem justiça que eles defendem. Liberdade de abusar, de manipular, de mentir sem consequências.
Não à toa, esses extremistas de direita, que na semana passada comemoravam a prisão de MC Poze, por considerar que suas músicas não eram arte e, sim, apologia ao crime.
No entanto, esta semana saíram em defesa da liberdade de expressão e da arte do "comediante" Léo Lins, condenado por fazer shows de "piadas" com ofensas a grupos já historicamente humilhados pela sociedade, como negros, gays, idosos, obesos e pessoas com deficiência.
É bom que não se confunda a condenação do racismo recreativo com censura prévia, pois o que houve foi a punição pelo ato deliberado e consciente de contar piadas criminosas que na tentativa de naturalizar discursos violentos que cotidianamente rebaixam, desumanizam e tiram a vida de indivíduos fora do padrão homem branco hetero — grupo esse que Lins é incapaz de ofender em suas performances.
Mesmo assim, sabemos que o cumprimento da pena será bem amenizado, pois o comediante não é um preto favelado como MC Poze. Não haverá a imagem dele algemado, sem camisa, colocado em uma viatura com todo estardalhaço e sensacionalismo.
A própria ex-deputada, condenada pelo STF a 10 anos de prisão, estava livre, pois a Justiça não viu riscos ao processo penal, enquanto a condenação não transitou em julgado. Seu passaporte também não estava apreendido, o que possibilitou a fuga.
O sistema de Justiça brasileiro tem falhas. A seletividade penal estruturada pelo racismo e pela criminalização da pobreza precisa ser enfrentada com seriedade. Mas negar o papel do Judiciário na contenção do autoritarismo é um erro grave. Sem a atuação dos tribunais como o STF e o TSE, por exemplo, nos últimos anos, estaríamos mergulhados em um cenário de ruptura institucional, com liberdade só para quem quer desrespeitar a Constituição.
Por mais que a democracia seja uma construção, e que a Justiça seja uma reivindicação constante, não podemos permitir esse país de incivilizados, alucinados por ódio e manipulados por algoritmos, em que a liberdade seja um direito absoluto que autoriza cometer crimes e impedir outros direitos democráticos e civilizatórios.
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