André Santana

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Opinião

Covardes no STF, valentões no Congresso: a hipocrisia bolsonarista exposta

A semana política no Brasil escancarou o teatro grotesco da extrema direita: enquanto Jair Bolsonaro e seus generais se acovardaram diante do Supremo Tribunal Federal, balbuciando contradições e evitando confronto com o ministro Alexandre de Moraes, seus aliados na Câmara dos Deputados protagonizaram um espetáculo ensaiado de gritos, interrupções e bravatas contra o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A covardia dos acusados no banco dos réus contrasta com a falsa valentia dos parlamentares no plenário, que fazem das sessões públicas um set de vídeos para engajamento.

A hipocrisia salta aos olhos. Diante da Justiça, silêncio e medo; diante das câmeras, gritos e memes que escondem a defesa de privilégios.

É muito estranho, para dizer o mínimo, que na mesma semana em que o Brasil inteiro tenha assistido, ao vivo ou por trechos nas redes, à encenação grotesca do bolsonarismo no Judiciário e no Legislativo, a pesquisa Datafolha apontou queda na aprovação do presidente Lula e comparações desfavoráveis com o governo Bolsonaro.

Sentado no banco dos réus, Jair Bolsonaro não parecia o homem que costumava esbravejar contra ministros do STF, a imprensa e as instituições. Não houve confronto nem bravura, ao contrário, houve pedido de desculpas. Preferiu se fazer de desentendido, desinformado, repetindo a estratégia de relacionar nada com coisa alguma. Um retrato fiel da sua gestão: improviso, despreparo e desprezo pela democracia.

Enquanto isso, militares de alta patente e ex-auxiliares do antigo governo tropeçavam em contradições, expondo a dimensão real de uma tentativa de golpe contra a ordem democrática. Depois de quatro anos de ataques às instituições e à verdade, a farsa se desenrola diante de todos. No entanto, parte significativa da população ainda tem dificuldade em julgar o antigo governo, fracassado em diversos aspectos e reprovado nas urnas.

Esse paradoxo revela muito sobre o tempo que vivemos. A guerra política se tornou, sobretudo, uma guerra de narrativas. Nesta arena, os algoritmos e os discursos performáticos têm vencido os dados, os fatos, a memória e a razão. A política do espetáculo tenta deslegitimar a política dos fatos.

É justamente nesse contexto, de desmoralização pública de Bolsonaro no STF e de um governo que tenta enfrentar distorções econômicas e sociais, que a pesquisa aponta queda na aprovação do presidente Lula e, mais grave, a percepção de que seu governo se equipara ou é pior que o anterior em alguns aspectos.

A contradição é evidente: enquanto o país assiste ao desmonte da farsa bolsonarista nos tribunais, parte da população ainda se agarra à ilusão construída por gritos e narrativas nas redes sociais.

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Um dado coerente do levantamento é que, entre os mais ricos, justamente os que seriam mais atingidos pelas propostas de justiça tributária do atual governo, a percepção negativa sobre Lula é significativamente maior. Não por acaso são esses mesmos setores que se beneficiaram da leniência fiscal do governo anterior, do desmonte de políticas sociais e da manutenção de privilégios, ainda defendidos pelo parlamento.

Agora, diante de um governo que propõe isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil, que zera impostos de alimentos da cesta básica e que tenta reverter o cenário de injustiça estrutural no sistema tributário, a reação imediata e dura do mercado e de um Congresso comprometido com interesses corporativos, privilégios pessoais e chantagens permanentes.

Uma oposição ruidosa, que inclui partidos com ministérios no próprio governo, obstrui avanços e transforma sessões em palco para vídeos de redes sociais. Parlamentares que defendem cortes na Farmácia Popular e na Educação Básica silenciam sobre os R$ 52 bilhões em emendas parlamentares que utilizam como moeda de troca. Tampouco falam em tributar grandes fortunas ou dividendos milionários. A conta, como sempre, é empurrada para os mais vulneráveis.

Nesses recortes de realidade dos vídeos que circulam nas redes do ódio não estão as propostas concretas para o país. Não estão os dados positivos da economia, a queda histórica no desemprego, o aumento do rendimento acima da inflação e a diminuição da fome. O que sobrevive é o ruído cuidadosamente editado para caber no formato viral.

Há, sim, sérios problemas de comunicação no governo e dilemas internos causados por uma coalizão frágil e heterogênea. Mas a pesquisa não revela apenas descontentamento: revela a fragilidade de uma população ainda incapaz de distinguir quem, de fato, a defende.

Os cortes exigidos pelo Congresso recaíam sempre sobre os mais pobres. O acesso à renda, à educação e à informação de qualidade é, também, um antídoto contra a desinformação que alimenta os números da pesquisa de popularidade. Quando a população, sufocada por problemas crônicos e desorientada por uma avalanche de fake news, não distingue mais quem propõe soluções reais de quem apenas grita mais alto, a democracia se torna refém da histeria.

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Num país em que, como comparou Fernando Haddad, o morador da cobertura não paga o condomínio, mas o zelador paga, a injustiça não está apenas nos números: está nas percepções manipuladas por quem sempre lucrou com a desigualdade.

A tentativa de criminalizar o social, taxar o Bolsa Família de gasto supérfluo e desqualificar políticas públicas como geradoras de "déficit" não é nova. O que impressiona é que, mesmo diante de um ex-presidente encurralado por ações antidemocráticas e um Congresso interessado em manter privilégios, parte da opinião pública siga confusa, presa à ilusão de que "gritar mais forte" é sinônimo de competência.

Talvez, por isso tenha chamado atenção o tom elevado adotado por Haddad. Num ambiente em que o debate técnico é sabotado por influenciadores parlamentares que fogem do debate após garantirem os trechos de vídeos para ganhar cliques e capital político, subir o tom pode não ser apenas estratégia, e passa a ser a sobrevivência.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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