Auditoria do TCU pede bloqueio de R$ 10 bi, e Pé-de-Meia pode parar
A área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) recomendou o bloqueio de R$ 10 bilhões do Pé-de-Meia ao concluir que o programa é operado fora do orçamento da União. Se a recomendação for acatada pelo relator, o ministro Augusto Nardes, o governo só terá recursos para o programa até janeiro de 2025.
Procurado, o MEC disse que "todos os aportes feitos para o programa pé-de-meia foram aprovados pelo Congresso Nacional e cumpriram as normas orçamentárias vigentes". "O governo prestou os esclarecimentos preliminares que foram solicitados pelo TCU e, tempestivamente, irá complementar informações."
A auditoria foi instaurada com base em uma série de reportagens do UOL que revelou a ilegalidade e a falta de transparência na execução da principal ação do governo Lula (PT) para educação.
Veja a análise técnica dos auditores do TCU
O Pé-de-Meia paga mesada a estudantes de baixa renda para cursarem o ensino médio. São R$ 200 por mês, totalizando R$ 9.200 por aluno que concluir os três anos.
No relatório de 35 páginas, protocolado nesta quarta-feira (11), os técnicos entenderam que as irregularidades apontadas pelo UOL procedem e sugerem que o ministro conceda decisão cautelar para bloquear parte dos recursos utilizados pelo MEC (Ministério da Educação) para pagar os alunos. O ministro ainda não se manifestou, mas é praxe seguir a área técnica.
Do montante de R$ 10 bilhões, R$ 6 bilhões já estão depositados em um fundo privado operado pela CEF (Caixa Econômica Federal), onde estão reservados os recursos para bancar o programa. Outros R$ 4 bilhões ainda não entraram no fundo e não poderão ser mais depositados se prevalecer o entendimento da área técnica.
O MEC informou ao TCU que o saldo existente na conta no dia 10 deste mês era de R$ 7,8 bilhões, e o valor total necessário para custear as despesas com o Pé-de-Meia até o final deste ano é estimado em R$ 795,2 milhões.
"Considerando que, deste montante, R$ 6 bilhões correspondem a valores transferidos pelo Fgeduc (o Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo), que não poderão ser utilizados para o pagamento do incentivo aos estudantes, se adotada a medida cautelar, restaria R$ 1,8 bilhão, valor suficiente para suportar as despesas com o programa até o fim de 2024 e no início de 2025", afirmaram os técnicos.
"Desse modo, não se vislumbram riscos iminentes de paralisação imediata do programa Pé-de-Meia, caso a medida cautelar seja exarada. Sendo certo, neste cenário, que os gestores da política pública deverão adotar as medidas necessárias para capitalizar o Fipem", advertem.
O Fipem (Fundo de Custeio da Poupança de Incentivo à Permanência e Conclusão Escolar para Estudantes do Ensino Médio) é onde estão depositados os recursos. O ministro da Educação, Camilo Santana, é o único que tem acesso ao fundo. É ele quem determina à Caixa quanto deve ser sacado para pagar aos alunos.
Também é o MEC quem define quais alunos irão receber e de quais cidades. As informações sobre o nome dos alunos foram divulgadas somente depois de vários pedidos da reportagem, mas sem a localização deles, e fora do portal do Transparência, o que fere a lei que criou o programa. Após a série de reportagens, a Caixa retirou de seu site dados sobre o fluxo de pagamentos. Os números voltaram ao ar no final do mês passado, depois de um pedido do UOL.
O governo escalou três ministros para tentar demover o TCU da investigação —- além de Camilo, Rui Costa (Casa Civil) e Jorge Messias (Advocacia-Geral da União). Há temor de que a conclusão das investigações possa indicar crime de responsabilidade do governo. Ao TCU, os ministros apresentaram argumentos para negar o "orçamento paralelo", o que não convenceu os técnicos.
No relatório, os auditores indicam que a análise do mérito está em curso e pode gerar consequências para os gestores públicos.
"Importante ainda ressaltar que o exame amplo da matéria será conduzido quando da realização da análise de mérito do processo, oportunidade em que poderão ser apresentadas algumas consequências da realização de políticas públicas valendo-se de arranjos que não se amoldam aos estritos cânones do direito financeiro, a exemplo da ausência de transparência em diversas etapas do processo da política pública."
E advertem: "Para além da contabilização das regras relacionadas ao cumprimento das metas fiscais, a realização desses aportes ao Fipem, sem a devida autorização orçamentária, propicia a expansão de gastos do governo, com a execução de políticas públicas, fora dos limites estabelecidos pelo novo arcabouço fiscal."
Veja os principais trechos do relatório:
A consignação dessas receitas/despesas no orçamento é de fundamental importância, já que é por meio dele que há transparência, para os mecanismos de controle e para a sociedade em geral, da forma como está sendo a aplicação dos recursos pelo Estado.
Embora na forma o Fipem seja um fundo de natureza privada, patrimônio próprio e detentor de capacidade jurídica, na essência, ele é mero depositário e operacionalizador de recursos públicos. Na prática, as despesas com a execução do programa são despesas públicas, realizadas pelo MEC com fonte em recursos públicos para o cumprimento da função distributiva do Estado.
Esse tipo de arranjo para a execução de programas possui outras consequências deletérias para as contas públicas no médio e longo prazos, como a perda de credibilidade do arcabouço fiscal, o que acarreta fuga de investidores, desvalorização da moeda frente ao dólar e, consequentemente, aumento da inflação e das taxas de juros.
De fato, no arranjo em que o Fipem é capitalizado com recursos do FGO (Fundo Garantidor de Operações) e Fgeduc, esses fundos privados, que possuem a União como cotista, terminam por funcionar como orçamentos paralelos ao OGU (Orçamento Geral da União), alocando valores da União para consecução da política pública à margem do ordenamento jurídico das finanças públicas. Na prática, observa-se uma expansão da capacidade de gastos do governo federal que ocorre à margem dos regramentos orçamentários e fiscais vigentes no momento da implementação de políticas públicas.
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