Andreza Matais

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Reportagem

Ministro do TCU vê falha e bloqueia R$ 6 bi do Pé-de-Meia após série do UOL

O ministro Augusto Nardes, do TCU (Tribunal de Contas da União), decidiu bloquear R$ 6 bilhões do Pé-de-Meia. A análise do TCU foi baseada em uma série de reportagens do UOL que revelaram ilegalidades na execução do maior programa do governo Lula.

Na decisão, o ministro afirma que o MEC (Ministério da Educação) deve bloquear os valores para evitar "potencial risco de futuros pagamentos de benefícios com tais recursos". Procurado, o MEC disse ao UOL que vai complementar os esclarecimentos ao tribunal nos prazos legais —a decisão ainda não foi comunicada formalmente ao ministério.

Todos os aportes feitos para o programa Pé-de-Meia foram aprovados pelo Congresso Nacional e cumpriram as normas orçamentárias vigentes.
MEC, por meio de nota

Na decisão, Nardes viu problemas e destacou a existência de vícios no modo como o programa é operado.

Denotam indícios de que a operacionalização do Programa Pé-de-Meia apresenta vícios que atentam contra princípios constitucionais e legais que norteiam as finanças públicas, configurando, assim, o fumus boni iuris.
Augusto Nardes, ministro do TCU

O termo em latim é utilizado para indicar que há indícios suficientes de irregularidades.

A decisão foi assinada no início da tarde desta sexta-feira (17) e protocolada no sistema do TCU. Procurado pelo UOL, o ministro disse, inicialmente, que pediu a retirada do texto do ar, mas depois manteve protocolada a decisão de suspender os pagamentos ao Pé-de-Meia.

A crítica de Nardes é do uso de dinheiro do fundo que banca casos de inadimplência do Fies —o FG-Educ— canalizados para o fundo que banca o Pé-de-Meia, sem passagem pelo Orçamento, pela conta do Tesouro, e sem aval claro do Congresso Nacional.

No arranjo em que o Fipem [o fundo do programa Pé-de-Meia] é capitalizado com recursos do FGO e Fgeduc, esses fundos privados, que possuem a União como cotista, terminam por funcionar como orçamentos paralelos ao OGU [orçamento], alocando valores desse ente federado para consecução da política pública à margem do ordenamento jurídico das finanças públicas.
Decisão de Nardes, citando análise de auditores

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A decisão ainda manda a Caixa, que administra os fundos do Pé-de-Meia e do Fies, reter à parte os R$ 6 bilhões que seriam usados para pagar "mesada" aos estudantes. O ministro mandou ouvir os dois órgãos, o MEC e Caixa, "alertando-os quanto à possibilidade de o tribunal vir a determinar a correção dos procedimentos impugnados, bem como a responsabilização dos agentes públicos que deram causa às irregularidades apuradas".

Programa pode seguir até janeiro

Nardes destacou que o bloqueio não prejudica o programa, uma vez que o Fipem (fundo privado na Caixa onde estão depositados os valores para pagar os alunos) teria ainda R$ 1,5 bilhão em caixa. O dinheiro seria suficiente para o programa ser operado até o fim de janeiro.

Para o ministro, o governo deve buscar fontes de financiamento, desde que tudo passe pelo orçamento, que é aprovado e fiscalizado pelo Congresso. "O momento é oportuno para o Poder Executivo federal buscar a capitalização do Fipem, utilizando recursos seja do Fundo Social, de fontes existentes no próprio OGU", escreveu ele.

O ministro seguiu o entendimento da área técnica que aponta que o governo fez um "orçamento paralelo" para bancar o Pé-de-Meia sem informar ao Congresso os valores utilizados para tanto. Os recursos estão depositados num fundo privado, chamado Fipem, na Caixa e operado pelo Ministério da Educação por fora do orçamento da União.

Na avaliação do ministro, a utilização de recursos para pagar os alunos "sem constar do Orçamento configura aparente ofensa a princípios da Constituição, da Lei de Responsabilidade Fiscal, do Regime Fiscal Sustentável e do princípio da unidade de caixa".

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É como se o governo tivesse uma conta bancária utilizada sem qualquer controle da saída dos recursos.

Sem transparência

O ministro também afirma que o MEC não divulga os dados dos alunos beneficiados, o que impede a fiscalização e fere o princípio da transparência.

A lei do Pé-de-Meia exige que os nomes dos beneficiados sejam divulgados. A lista só passou a ser divulgada após série de reportagens do UOL, mas segue sendo divulgada de forma incompleta. Não é possível saber de onde são os alunos.

Nardes foi o relator do processo de impeachment de Dilma Rousseff. A escolha dele para relatar as ilegalidades no Pé-de-Meia preocupou o governo, devido à sua experiência com o tema fiscal. Três ministros foram escalados —Rui Costa (Casa Civil), Camilo Santana (MEC) e Jorge Messias (AGU)— para tentar evitar que a análise prosperasse. O ministro do TCU pediu para que o governo fosse ouvido novamente.

Nardes citou ainda reportagem do UOL que baseou uma representação do Ministério Público no TCU pedindo a suspensão dos pagamentos ao programa. O portal revelou que o MEC negava pedidos de informação sobre os gastos realizados. "Cabe registrar que na matéria jornalística que amparou a representação foram relatados, também, indícios da ausência de transparência quanto à execução do Programa Pé-de-Meia, na medida em que o MEC teria recebido inúmeros pedidos de parlamentares e por meio da Lei de Acesso à Informação para abertura dos dados do programa, os quais teriam sido negados, além do que não estaria divulgando informações sobre os beneficiários do programa", disse o ministro do TCU.

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O Ministério Público alertou o relator novamente porque, mesmo sem a total transparência e pendente de possíveis irregularidades, o programa Pé de Meia está em expansão. O MEC anunciou a criação de uma versão do programa para professores. O Ministério Pùblico reclamou: "havendo relatos sobre a expansão do referido programa para estudantes universitários de licenciaturas, mesmo diante das controvérsias relacionadas à sua execução".

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