Andreza Matais

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Reportagem

TCU libera verba do Pé-de-Meia e dá prazo para governo resolver 'defeitos'

O plenário do TCU (Tribunal de Contas da União) decidiu nesta quarta-feira (12) desbloquear os R$ 6 bilhões em recursos do Pé-de-Meia para evitar a interrupção do pagamento da mesada a 4 milhões de alunos. Os ministros advertiram o governo sobre as ilegalidades no programa, reveladas pelo UOL, mas decidiram por liberar os valores para não paralisar os pagamentos aos alunos.

O plenário deu um prazo de 120 dias para que que o governo corrija as irregularidades no programa, incluindo-o no orçamento de 2025. A medida desagrada o governo, que queria fazer isso apenas em 2026.

No entanto, por sugestão do ministro Bruno Dantas, o programa pode continuar a ser executado da maneira como está mesmo depois desses 120 dias porque o Congresso pode atrasar a votação de um eventual projeto de lei enviado pelo governo —o ministro Jorge Oliveira discordou desse ponto e foi voto vencido.

Em entrevista ao UOL após o julgamento, o ministro Augusto Nardes disse que, se depois dos 120 dias, as irregularidades prosseguirem, ele pode conceder nova medida cautelar bloqueando uma parte do dinheiro do Pé-de-Meia para que os problemas sejam corrigidos.

A secretária de Educação Básica, a professora Kátia Helena Serafina Schweickardt, disse que "o Pé-de-Meia segue firme e forte". O advogado André Dantas afirmou que o governo vai dialogar com o Congresso para chegar a uma solução.

Na sessão, os ministros elogiaram o programa e defenderam a necessidade de liberar o dinheiro para os alunos não serem prejudicados. Nardes, relator do caso, chamou o Pé-de-Meia de "esperança para o Brasil".

No entanto, eles criticaram fortemente o governo pela execução do programa fora do Orçamento. "A formação o programa apresenta defeitos gravíssimos", disse Walton Alencar.

Os ministros se dividiram quanto à responsabilidade do governo. O ministro Jorge Oliveira chegou a votar para dar um "alerta" aos gestores sobre a conduta deles. Mas os ministros Antonio Anastasia e Dantas afirmaram que, neste momento, não seria possível discutir a responsabilidade. As leis do programa e a legislação orçamentária "permitem divergência de interpretação", avaliou Anastasia.

Por isso, todos os votos exigiram que a regularização seja feita já em 2025, e não apenas em 2026, como pediu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

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A verba do Pé-de-Meia foi bloqueada pelo TCU em 22 de janeiro, após o UOL revelar ilegalidades na execução do programa. A AGU (Advocacia-Geral da União) recorreu, alegando que o governo ficou sem dinheiro para seguir com a política pública.

O programa atende 4 milhões de estudantes do ensino médio de 14 a 24 anos pertencentes a famílias inscritas no Bolsa Família. O objetivo é reduzir a evasão escolar, melhorar a frequência e incentivar os alunos a tentar uma vaga na universidade participando do Enem. A mesada é de R$ 200 mensais e há ainda incentivos pagos pela conclusão de cada ano letivo e pela realização da prova do Enem. Em três anos, os alunos podem acumular um "pé de meia" de R$ 9.200.

Em junho de 2024, o fundo que banca o Pé-de-Meia, o Fipem, recebeu do governo uma transferência de R$ 6 bilhões do fundo garantidor do Fies (que banca mensalidades em universidades privadas).

Após a série de reportagens do UOL, o TCU fez uma auditoria e confirmou que o programa foi pago sem autorização do Congresso, o que é ilegal. É como se o governo escondesse uma despesa pública na sua contabilidade, o que afeta cálculos de outras políticas públicas para a população (veja mais abaixo). Por isso, o tribunal havia bloqueado a verba.

Com a liberação, o pagamento seguirá normalmente para todos os estudantes. O ministro da Educação, Camilo Santana, disse que a próxima parcela cairá na conta dos alunos em 24 de fevereiro.

Governo promete colocar despesa no orçamento

Os problemas no Pé-de-Meia começaram porque —diferentemente do Bolsa Família e até dos projetos de lei originais do programa, feitos em 2019 e 2021— o governo insistiu que a verba fosse aplicada num fundo, o Fipem, antes de ir para o bolso dos estudantes.

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Para corrigir isso, os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e Casa Civil, Rui Costa, acertaram com Nardes que, em 2026, as verbas estarão no Orçamento. Para 2025, porém, nenhuma solução está à mesa.

Outro problema detectado pelos técnicos do TCU é que, ao criar o Pé-de-Meia, o Congresso determinou, em duas votações, que os gastos do Fipem fossem avalizados pelo Legislativo. Mas isso não aconteceu.

No ano passado, o governo e o Congresso acertaram repassar R$ 6 bilhões que estavam num fundo do Fies, o FG-Educ, para o fundo do Pé-de-Meia. Mas, para o TCU, essa operação foi feita de forma ilegal, totalmente à margem do Orçamento. Os dois fundos são administrados pela Caixa, que também é alvo do processo.

O que está em investigação

Os problemas que seguem em apuração pelos auditores do TCU são:

"Orçamento paralelo". O Pé-de-Meia foi pago em 2024 sem passar pelo Orçamento. A lei que o criou determina que o Congresso avalize os gastos e quantidade de estudantes atendidos.

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Uso de outros fundos. Além disso, houve uma injeção de dinheiro no fundo do programa a partir de outro fundo, o FG-Educ, do Fies. Isso reforçou o uso de um "orçamento paralelo", anotaram técnicos do TCU.

Operação mais cara. Como o governo optou pelo fundo em vez de pagar diretamente pelo Orçamento, tem que gastar com emissão dos cartões e transferências bancárias, como já acontece com o Bolsa Família, e ainda paga um custo a mais. É a administração do fundo. A Caixa recebeu R$ 7,37 milhões para isso em 2024, valores que poderiam ir para o bolso dos alunos.

Valores ignoraram rombo no Fies. A transferência dos R$ 6 bilhões do FG-Educ para o Pé-de-Meia foi feita mesmo com um rombo de R$ 33 bilhões em inadimplência do Fies. A lei ordena que os valores só sejam transferidos se houver disponibilidade. Uma norma da Caixa prevê uma análise técnica para fazer o cálculo do que poderia ou não ser transferido para o Pé-de-Meia. Mas o banco se recusa até a informar se fez essa avaliação.

Redução de investimentos na educação. A área técnica do TCU diz que usar "orçamento paralelo" no Pé-de-Meia traz prejuízos à população por mudanças na contabilidade da União. O governo ficaria obrigado a investir menos dinheiro na educação e na saúde.

Aumento da inflação. Isso ainda teria reflexos na taxa de juros, com impacto nos juros que as pessoas pagam para tomar dinheiro emprestado. O "arcabouço fiscal" também ficaria prejudicado, assim como o dólar, alertaram os técnicos.

Dados apagados. A Caixa apagou de seu site as despesas mensais feitas no fundo do Fipem, como o quanto ela ganha apenas para administrar o fundo, depois das primeiras reportagens do UOL. Os valores só foram republicados depois de questionamentos da reportagem.

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Falta de transparência. Ao contrário do que acontece com o Bolsa Família, os nomes dos alunos, com seus CPFs, cidades onde residem e valores pagos mês a mês, não estão no Portal da Transparência. Só depois de insistência do UOL, o MEC publicou uma lista parcial no seu site.

Dados defasados. Mas a lista do MEC está com cinco meses de defasagem e não mostra as cidades dos alunos. Além disso, para conseguir ler a lista, o cidadão precisaria copiar quase 20 arquivos num computador e usar aplicativos de análise de dados para fazer comparações.

Estatísticas ocultas. A Caixa e o MEC rejeitaram todos os pedidos da Lei de Acesso à Informação feitos pelo UOL para fornecer até mesmo as estatísticas de pagamentos por cidade. Os casos estão na Controladoria-Geral da União (CGU), na Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI).

Reportagem

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