Andreza Matais

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Reportagem

Lula oscila e precisa de harmonia com Congresso, diz líder do Consórcio NE

O governador do Piauí e novo presidente do Consórcio Nordeste, Rafael Fonteles (PT), admite que o presidente Lula (PT) vem perdendo eleitores na região e cita a falta de diálogo com o Congresso como o principal problema do governo.

Em entrevista ao UOL, ele defende que a esquerda dialogue com a centro-direita e com a direita para isolar a extrema direita e conseguir impor a sua agenda ao país.

Empresário, Fonteles nunca tinha disputado uma eleição até concorrer ao governo do Piauí. Venceu com recorde de votos. É considerado hoje uma estrela em ascensão no PT.

Matemático — foi premiado em Olimpíadas Internacionais de Química (2002), Física (2002) e Matemática (2004) na Holanda, Indonésia e Macedônia —, ele se contrapõe ao comando do PT ao defender a política econômica de Fernando Haddad (Fazenda).

Na última semana, foi eleito porta-voz dos governadores do Nordeste. A agenda prioritária é reverter decisão que impede o Nordeste de ter mais geração de energia renovável.

UOL - A sua colega do Rio Grande do Norte, a governadora Fátima Bezerra (PT), disse que Lula perderia a eleição no Nordeste hoje. Concorda?
Fonteles
- A gente reconhece uma oscilação para baixo, mas no Piauí ainda venceria com boa margem. Claro que há espaço para melhorar. A presença dele no estado, a melhoria da comunicação, esse engajamento de todo o time esclarecendo para o povo tudo o que está sendo feito amplia essa dinâmica.

UOL - As últimas eleições mostraram que a esquerda perdeu o discurso com uma parte do seu eleitorado. O que levou a isso?
Fonteles
- Nós temos que dialogar com a centro-esquerda, compor com a centro-direita. É extremamente importante essa frente ampla para poder representar a maioria da população.

UOL - Estamos na segunda metade do mandato, e a popularidade do presidente despencou. Ainda dá tempo de reverter? Qual o caminho?
Fonteles - Eu ainda estou bastante confiante. Obviamente, vão ser feitos ajustes na comunicação, nas pautas prioritárias. Sobretudo, melhorar a harmonia com o Congresso. Esse é um tema essencial para o governo emplacar sua agenda.

UOL - A que se deve a fuga do eleitorado?
Fonteles - A meu ver, essa questão da governabilidade, essa dificuldade em relação ao Congresso é um tema muito relevante. Tem que ter harmonia para poder [fazer] a agenda andar com mais velocidade. Caso contrário, as medidas demoram a ser aprovadas. Quando aprovadas são de uma maneira diferente do que foi imaginado, fica cheio de ruídos.

UOL - Como a alta no preço dos alimentos impacta o Nordeste?
Fonteles
- É o tema mais relevante do ponto de vista da economia. Na eleição americana, isso influenciou bastante, e olha que os americanos são menos acostumados ainda com inflação.

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UOL - Haddad tem sofrido críticas de colegas do PT. O senhor foi secretário de Fazenda, é um matemático. De que lado da corda está?
Fonteles
- Sou um defensor do trabalho do Haddad. Eu acho que ele tem que ser cada vez mais fortalecido até porque a busca pelo grau de investimento deveria ser uma prioridade do governo. Tendo grau de investimento, você consegue fazer uma rolagem da dívida, uma captação de recursos muito mais barata e de muito mais longo prazo. Para isso, precisa ter um esforço maior para cumprir o arcabouço fiscal, para poder ter mais credibilidade diante dos agentes econômicos.

UOL- O ministro é alvo de fogo amigo até dentro do governo...
Fonteles - Eu acredito no Haddad e em todo o seu time. Quando eu digo que ele deve ser fortalecido, não é dentro do governo apenas, mas também no Congresso, no Judiciário, porque há vários temas de repercussão fiscal que afetam a economia.

UOL - Vimos sucessivas altas do dólar. O presidente e o PT falam em especulação para fragilizar o governo. Referenda isso?
Fonteles - Pode até haver por parte de alguns agentes, mas no conjunto acho muito pouco provável. O Brasil já passou há muito tempo de ter uma situação como a da Argentina, temos muito mais estabilidade, reservas.

UOL - Há demanda dos governadores do Nordeste por aumento do valor pago no Bolsa Família?
Fonteles -
Tive a reunião agora do consórcio e não vi nenhum governador falando sobre isso. Não há nem como se discutir isso neste momento de restrição fiscal.

UOL - O senhor defende abrir o diálogo com a centro-direita, demonizada pelo comando do PT. Como dialogar num país polarizado?
Fonteles - No Piauí, temos uma aliança de muito tempo com o MDB. O PSD é um caminho natural, o União Brasil. Não existe aliança com 100%, os partidos são bastante heterogêneos, mas, majoritariamente, [com] a grande maioria dos membros desses partidos de centro, centro-direita ou até mesmo da direita mais moderada é fundamental dialogar.

UOL - O senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, é o principal opositor de Lula. Defende o diálogo com ele também?
Fonteles -
Não, nunca. Além de ser oposição a nós [no Piauí], ele é oposição ao presidente Lula. Então, não existe como haver diálogo.

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UOL - O governador Romeu Zema (Novo), de Minas, me disse que os governadores do Sul e do Sudeste carregam os governadores do Nordeste nas costas. Como o senhor responde a isso?
Fonteles -
Respeito muito o governador Zema, mas eu divirjo completamente. O único país do mundo em que parte do imposto sobre consumo fica na origem da produção é o Brasil. Imagina isso ao longo de décadas. Quanto dinheiro do povo nordestino foi irrigado para outras regiões a partir dessa distorção tributária. Ou seja, o trabalhador nordestino paga imposto e esse imposto vai para outras regiões do país por causa dessa anomalia tributária. Isso não deveria ter acontecido ao longo de tanto tempo, e somente agora a reforma tributária vai corrigir e ainda vai demorar 50 anos para fazer a transição.

UOL - O senhor mandou uma carta para o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, cobrando uma revisão da decisão do Operador Nacional de Sistema sobre energia renovável. Qual o impacto da medida?
Fonteles
- O Nordeste está sendo extremamente prejudicado por decisões do Operador Nacional de Sistema Elétrico. Hoje, basicamente, o Nordeste está impedido de ter mais geração de energia renovável, porque as já existentes estão sendo obrigadas a reduzir a produção. E o que é mais grave: o Nordeste está impedido de ter indústrias que usem a energia intensivamente.

UOL - Já tem demissões, inclusive, no setor...
Fonteles
- Já está tendo fuga de investimentos. Ao mesmo tempo que teve essas proibições, foram autorizados leilões de termoelétricas, com energia que vai sujar a matriz elétrica brasileira.

UOL- Qual o impacto se a decisão do ONS for mantida?
Fonteles
- Hoje é o principal ponto de problema para a industrialização do Nordeste, sem dúvida. Para a geração de emprego. É um problema gravíssimo.

UOL - O turismo é uma fonte de renda significativa para o Nordeste, mas o fluxo é menor do que nos países do Caribe. O governo precisa vender mais o Brasil no exterior?
Fonteles
- Uma das coisas que nós definimos [os governadores da região] é levar essa marca Nordeste nas feiras internacionais de turismo de uma maneira integrada e não mais isolada, porque aí você consegue demonstrar um rol de paisagens, de hotéis, de resorts, de turismo de aventura, de ecoturismo muito maior. Isso é uma prioridade. Agora, na Feira de Lisboa vai ter estande da Paraíba, Ceará, Piauí... Mas a ideia é fazer algo mais coordenado.

UOL - Como estimular o turismo num país com duas companhias aéreas, considerando já a fusão Gol/Azul?
Fonteles - Tem que abrir o mercado para as empresas estrangeiras operarem voos internos e ter mais competitividade. Vários países foram bem-sucedidos nisso, inclusive com a redução do preço das passagens para o consumidor.

Reportagem

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