Andreza Matais

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Reportagem

Parceria previa mais controle da Latam sobre a Voepass e receita bilionária

Menos de dois meses antes do acidente que matou 62 pessoas em Vinhedo (SP), a Voepass e a Latam assinaram um contrato de parceria que geraria, conforme estimativa da Voepass, uma receita de R$ 6,5 bilhões em nove anos, com uma margem de lucro de 10% (R$ 650 milhões) mediante o cumprimento de metas.

Dados obtidos pelo UOL mostram esse mesmo documento, firmado em 17 de junho de 2024 e que vem sendo mantido sob sigilo, também garantiu à Latam ampliar seu poder sobre as operações e a gestão da concorrente, a ponto de a Voepass depender de autorização prévia da Latam para quaisquer novos empréstimos visando investimentos.

O contrato previa o acesso da Latam a documentos operacionais internos da Voepass, além de controle sobre suas finanças. As informações constam de um processo judicial que opõe as duas companhias, hoje vivendo numa espécie de divórcio litigioso.

Procurada, a Latam informou que "não comenta detalhes do acordo comercial com a Voepass".

Apesar da relação pactuada no documento, menos de uma semana após a queda do avião em Vinhedo, numa nota enviada à imprensa, a Latam afirmou que a ampliação do acordo de codeshare previa apenas "uma permuta de slots". Sustentou, ainda, que a atualização "não implica qualquer ingerência operacional ou administrativa de uma empresa sobre a outra" - exatamente o que a atualização assinada em junho passou a prever, conforme indicado pela Voepass no processo judicial.

As duas aéreas têm um acordo de codeshare (compartilhamento de vendas de passagens para voos operados pela Voepass, ex-Passaredo) desde 2014. Em março de 2023, ele foi ampliado e, em 17 de junho de 2024, uma série de modificações mais profundas foi feita. Foi essa última alteração que permitiu acesso quase total da Latam a documentos da Voepass, 50 dias antes do acidente.

Os termos dessa remodelagem de junho de 2024 nunca foram tornados públicos. O que se sabe a respeito vinha de informações disponíveis em um processo administrativo no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), no qual foi analisado o pedido de ampliação do acordo de codeshare. Uma das informações que ficaram disponíveis a respeito do contrato é que ele previa a possibilidade de "assistência técnica e outras atividades destinadas à redução de custos da VoePass", por parte da Latam.

Os novos detalhes, obtidos pelo UOL, estão presentes em processo ajuizado em fevereiro pela Voepass, no qual a empresa cobra da Latam o pagamento de R$ 34,7 milhões, em razão de, entre outros fatores, a Latam ter suspendido, meses depois do acidente, a operação de quatro aeronaves que faziam parte do acordo de codeshare. Em agosto, mês do acidente, a Voepass afirma que 93% de seu faturamento decorria do acordo com a Latam.

Na ação judicial, o contrato adicional no acordo de codeshare (contrato de "nova parceria", segundo a Voepass) foi apresentado como anexo sigiloso. Informações sobre ele, no entanto, estão descritas no processo e mostram que a Latam tinha franco acesso a documentos internos da Voepass.

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Conforme a Voepass, o novo acordo conferia "ainda maior ingerência da Latam sobre a gestão da Voepass, tendo livre acesso às informações e documentos financeiros, jurídicos, operacionais e contratuais da Voepass (salvo por informações concorrenciais sensíveis)".

Além disso, com o novo contrato, afirmou a Voepass à Justiça, a companhia passou a depender de "prévia autorização da Latam" para, entre outros pontos, "aumento de endividamento bancário" - ou seja, tomada de novos empréstimos e financiamentos. Mesmo eventual pedido de recuperação judicial e aumento de remuneração para executivos da companhia deveriam passar pelo crivo da Latam.

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