Andreza Matais

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Reportagem

Governo vê como 'graves' fraudes em empréstimos consignados do INSS

Em público, o governo tenta tratar como pontual a crise no INSS. Nos bastidores, porém, reconhece que enfrentará uma bomba de proporções ainda maiores: a concessão de empréstimos consignados sem autorização de aposentados e pensionistas, em volume muito superior ao dos descontos feitos por associações. O caso envolve diretamente instituições financeiras.

Uma fonte do governo ouvida pela coluna classificou a situação como "grave", embora ressalte que se trata de fraudes com características distintas. Enquanto os descontos associativos envolvem entidades registradas em nome de laranjas, no caso dos empréstimos consignados, as responsáveis são instituições financeiras. Atualmente, 76 delas estão autorizadas pelo INSS a oferecer esse tipo de crédito.

Um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) já alertava para o problema desde 2023. Dos R$ 91 bilhões descontados de aposentados naquele ano, R$ 89,4 bilhões eram referentes a empréstimos consignados, e R$ 1,5 bilhão, a descontos associativos.

Ainda não é possível precisar o total de empréstimos concedidos de forma fraudulenta, sem o consentimento dos beneficiários. No entanto, o TCU concluiu que "em quase 36% dos casos examinados, a documentação necessária não estava de acordo com o que é exigido pela norma vigente".

A auditoria do TCU foi feita a partir de um pedido do deputado Evair de Melo (PP-ES), que desde 2023 alerta os órgãos de controle sobre denúncias de descontos ilegais no INSS.

Segundo o tribunal:

"Foi identificado que nem todos os descontos consignados na folha de pagamento, relativos a empréstimos e mensalidades associativas, foram devidamente autorizados pelos titulares dos benefícios, o que constitui graves indícios de fraude."

"A sistemática fraudulenta só poderia prosperar com a participação das instituições bancárias responsáveis pelo pagamento dos benefícios do INSS, as quais obtêm esse direito por meio de licitação."

A CGU (Controladoria-Geral da União) também realizou uma auditoria, concluída em dezembro de 2023, que identificou falhas de controle nos processos internos do INSS.

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Embora o TCU não tenha identificado venda casada, o relatório apontou que muitos aposentados aderiram, com poucos dias de diferença, tanto ao desconto associativo quanto ao empréstimo consignado — o que levanta suspeitas.

"No ato da contratação do empréstimo, os aposentados, sobretudo idosos com maiores dificuldades na compreensão de determinadas informações e inovações, são induzidos a anuir com suas adesões a entidades sindicais ligadas a aposentados e idosos, sob o argumento de que tal medida seria indispensável ou mais vantajosa para a contratação do empréstimo consignado, o que é uma verdadeira falácia", registraram os técnicos da Corte de Contas.

No caso dos empréstimos, contudo, desde 17 de abril de 2023, o INSS implementou a exigência do uso de reconhecimento biométrico para a concessão dos empréstimos, o que pode ter evitado a continuidade de eventuais golpes. Mesmo procedimento não foi adotado para os descontos associativos.

O relatório do TCU alerta ainda para a possibilidade de responsabilização do Estado:

"Há a possibilidade de condenação da União ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, cabível em ações penais, conforme entendimento da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp 2.018.442."

A jurisprudência reforça que:

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"O INSS pode ser civilmente responsabilizado por danos patrimoniais ou extrapatrimoniais, caso se comprove omissão injustificada no dever de fiscalização, especialmente se os empréstimos consignados forem concedidos, de forma fraudulenta, por instituições financeiras diferentes daquelas responsáveis pelo pagamento dos benefícios. Nessa hipótese, a responsabilidade do INSS é subsidiária em relação à da instituição financeira."

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