Políticos ostentam vida de luxo enquanto enaltecem simplicidade de Mujica
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O presidente da Conab, empresa pública, chega à chapelaria do Congresso em um carro oficial. Um Corolla preto, carro de "doutor". O motorista desce e abre a porta. Ele sai do carro, ajeita o terno Armani —ou algo parecido— e segue sem sequer olhar para o chofer.
A cena foi postada por ele mesmo no Instagram. Edegar Pretto também não precisou tirar o celular do bolso para registrar sua onipotência. Um funcionário da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) estava lá para gravar o chefe chegando ao Congresso — como se fosse algo digno de noticiário.
O poder no Brasil é exercido dessa forma. Ninguém ali se espanta ou fica constrangido com os "podres poderes".
Lembro-me de quando o velho ACM chegava ao Senado, na época em que presidia a Casa. Todos os dias, uma equipe de dez pessoas ficava na chapelaria aguardando sua chegada. Alguém abria a porta do carro, o elevador era paralisado para que ele não precisasse apertar o botão ou aguardar. Ele não cumprimentava ninguém de sua equipe. Subia para seu gabinete cercado pelo séquito, como um rei.
Em Brasília, costuma-se dizer que a primeira coisa que faz o político perder a noção da realidade é o fato de não abrir sequer uma porta.
Certo dia, presenciei o ainda futuro ministro do Supremo, Cristiano Zanin, ser retirado do ônibus que levava os passageiros até o avião por um funcionário da companhia. Ele foi acomodado em uma van e seguiu sozinho até a aeronave, enquanto os demais passageiros se amontoavam no transporte coletivo.
É um segredo de Estado, mas, em alguns aeroportos, as companhias aéreas têm funcionários para identificar os VIPs e retirá-los das filas.
Quando presidente, Jair Bolsonaro mobilizava todo um aparato para andar de moto pela cidade ou de jet ski, armando cenas para vender a imagem de um homem simples, que come pão com leite condensado e toma café em copo de requeijão. Enquanto isso, seu filho número um comprava uma mansão de R$ 6 milhões, e o número dois frequentava hotéis luxuosos pelo país.
Um causo contado em Brasília, na época do governo Dilma Rousseff, diz que a presidenta exigia abacaxi cortado em rodelas e descascado, e se irritava quando não estava do seu agrado.
A morte do ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica me fez refletir sobre a cultura de Brasília. Na história das repúblicas latino-americanas, a ostentação é regra. De Evita Perón, com suas roupas e joias de grife, a Hugo Chávez, líderes populistas misturaram poder com suntuosidade.
Lula fala em combater a pobreza, enquanto Janja compra, com dinheiro público, lençóis de algodão egípcio que custaram R$ 90 mil aos cofres públicos, tapete de R$ 111 mil e sofá de R$ 65 mil. No discurso, cabe tudo.

Mujica quebrou esse padrão. Deixou como legado a ideia de que a política não deve servir para enriquecer ou demonstrar poder. Não se deixou inebriar.
O "presidente mais pobre do mundo", como ficou conhecido, não entendia por que sua vida simples rendia mais atenção do que seu discurso sobre o consumo exagerado, o impacto ambiental e o fim da pobreza... O discurso condizia com a prática.
Seu carro oficial era um Fusca azul, que ele recusou vender por um milhão de dólares a um sheik árabe, quando no Brasil presidentes vendem presentes recebidos de outros países.
Quando você não abre mais nem a porta de um carro, perde a conexão com a vida real.
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