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Augusto de Arruda Botelho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pandora Papers: nem tudo que não é ilegal é moral.

Paulo Guedes legítima privatização dos próximos anos sobre Petrobrás e Banco do Brasil - Reprodução/ Marcos Corrêa/PR(Fotos Públicas)
Paulo Guedes legítima privatização dos próximos anos sobre Petrobrás e Banco do Brasil Imagem: Reprodução/ Marcos Corrêa/PR(Fotos Públicas)

Colunista do UOL

04/10/2021 12h33

Ter uma empresa offshore é crime? Não.

E uma empresa offshore em um paraíso fiscal? Também não.

Abrir uma conta na Suíça é crime? Não. E nos Estados Unidos? Tampouco.

Todas as operações, movimentações e estruturas financeiras que eu acabei de citar são plenamente legais e não constituem qualquer crime, com uma condição: que contas, empresas, remessas de valores, imóveis ou outros bens que um brasileiro tenha no exterior sejam declarados às autoridades competentes. Dependendo do tipo de bem, dos valores envolvidos e da modalidade de operação financeira, um ou mais órgãos devem ser informados.

O padrão é que contas e empresas no exterior sempre precisem estar declaradas em um documento bastante óbvio: nossa declaração de imposto de renda. Outras operações, a depender do tipo, devem também ser comunicadas ao Banco Central do Brasil.

Mas o ponto essencial é que o dinheiro que envolva essas operações precisa ter origem lícita.

Faço essa breve reflexão para contextualizar que nem sempre que ouvimos ou lemos que alguém tem uma offshore em um paraíso fiscal necessariamente estamos falando de uma prática que não esteja dentro da lei.

Dezenas, ouso dizer, centenas de empresas legais de médio e grande porte - e aí se incluem bancos, empresas de exportação, de infraestrutura, de comércio, não importa - têm, por uma série de razões (seja uma estruturação tributária, uma proteção patrimonial ou o fato de fazerem negócios no mundo todo), sede fora do seu país de origem: são empresas, portanto, offshore.

É evidente que, muitas vezes, para a prática de um crime (e crimes variados, incluindo-se aqui a lavagem de dinheiro), é comum a utilização de empresas offshore em paraísos fiscais e de contas não declaradas no exterior, mas antecipadamente tachar a utilização desses mecanismos de algo criminoso, ilegal, é um erro.

Vamos agora contextualizar tudo isso com os fatos noticiados durante esse final de semana, principalmente a respeito das contas de titularidade do Ministro Paulo Guedes.

O Ministro da Economia, e aqui parece que vou dizer o óbvio, não apenas tem acesso a informações sensíveis e privilegiadas sobre o mercado financeiro como detém o poder de diretamente influenciar os rumos da economia do país.

Diante disso, há um regramento específico previsto em uma série de normas e códigos, não apenas para ministros da economia, mas para todos os funcionários públicos que assumem cargos de alto escalão.

O Presidente do Banco Central, por exemplo, não pode, enquanto presidir o Banco, operar no mercado de ações em seu próprio nome. Não pode investir em empresas, comprar e vender dólares etc.

Por isso é muito comum que essas autoridades, ao assumirem um cargo público, ou deixem de participar do quadro societário dessas empresas ou terceirizem completamente a administração delas. Até agora, em relação a Paulo Guedes, o que se sabe é que a empresa de sua titularidade sediada em um paraíso fiscal continuou sendo sua mesmo depois de ele ter assumido o Ministério da Economia. Sabe-se também que ele informou o Conselho de Ética sobre tal situação.

Do ponto de vista criminal, se essa empresa está declarada e se não houve, durante o período em que ele tem estado à frente do Ministério, qualquer movimentação nessas contas, não há - por enquanto - nenhum indício da prática de crime (vejam que o por enquanto está intimamente ligado ao fato de que supostamente a conta não foi movimentada).

Já no campo ético, a coisa é bastante diferente. A título de exemplo, houve, durante a administração de Paulo Guedes, alteração da legislação específica que rege esse tipo de empresa. Portanto, parece existir de forma bem clara um conflito de interesses, mesmo que se comprove que Paulo Guedes não teve qualquer benefício direto com essa alteração legal.

A probidade, a transparência e a ética devem sempre nortear o homem público. E, ainda que as empresas do Ministro sejam legalmente declaradas, sua propriedade, mesmo após tomar posse no mais alto cargo da Economia brasileira, configura, no mínimo, uma imoralidade.