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Balaio do Kotscho

Como sobreviver à tempestade viral? A dor e a agonia de cada um

Colunista do UOL

13/03/2020 14h16

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"O vírus FOME mata 8500 crianças por dia... e a vacina existe, chama-se COMIDA, mas isso não interessa nada..." (meme que circula na internet).

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Tudo vai sendo cancelado, adiado, entrando em quarentena, mas até agora não tinha mudado nada na minha rotina.

Como trabalho em casa há muito tempo, e saio cada vez menos à rua, é como se eu não fizesse parte deste mundo enlouquecido pela pandemia de coronavírus. Corro menos riscos.

Sem ações na bolsa nem dólares na gaveta, as oscilações do mercado em nada me afetaram.

Até que, agora de manhã, a crise mundial bateu à minha porta, ou melhor, apitou no meu celular.

Veio a mensagem do amigo Johnny Savalla, chefe da "Turma do Almocinho", comunicando que a comilança mensal da nossa confraria foi cancelada. Até isso?

Perto dos dramas e tragédias provocados pela pandemia do novo coronavírus, que já deixou mais de 5 mil mortos pelo mundo, ficar sem o almoço com os amigos é apenas uma bobagem, eu sei.

Mas aí chegou o meme que está na epígrafe desse texto e me fez pensar na relatividade das coisas, na brutal desigualdade social do mundo em que vivemos, e no próprio sentido das nossas vidas.

Tem gente reclamando na televisão que já pagou todas as prestações e agora não poderá mais embarcar para a viagem dos sonhos, há tanto tempo planejada.

Até a Disneylândia fechou as portas hoje.

Tem gente que não se conforma com a suspensão de jogos e espetáculos, mesmo já tendo pago os ingressos ou o pay-per-view.

Tem gente chateada porque domingo não vai mais ter manifestação bolsonarista para enquadrar na chincha os outros poderes da República.

Tem até quem se desespere por ter dado a mão para alguém e não encontrar mais álcool gel nas prateleiras da farmácia.

E tem milhões de pessoas no Brasil e no mundo, nesse momento, perambulando pelas ruas e becos, sem trabalho e sem comida para dar aos filhos.

Se já havia cada vez menos emprego e comida para atender a todos, como vai ficar agora que o mundo está começando a parar e economistas já fazem as contas dos estragos de uma possível recessão na economia mundial?

Pelo menos agora aprendemos a nos fazer mais perguntas do que afirmações definitivas sobre o que pode acontecer nas próximas horas, dias, meses, anos.

Reina agora sua excelência, o imponderável, tudo é imprevisível.

De repente, aparece um vírus desconhecido na China e muda tudo nos planos de pessoas, empresas e países, cada um pensando apenas em como sobreviver durante e após a tempestade.

Aqui, na nossa "ilha da fantasia", nos damos conta da precariedade do sistema de saúde, que já não funciona em tempos normais, principal motivo do pânico entre médicos e pacientes.

Às pressas, começam a contratar milhares de médicos e equipar hospitais, como se fosse possível consertar de um dia para outro anos de desmazelo crônico no atendimento de pacientes carentes, sem plano de saúde, enquanto a rede particular tem alguns dos melhores hospitais do mundo.

Descobrimo-nos vivendo num país órfão de lideranças, no governo e na oposição, incapazes de apresentar um programa mínimo de emergência para atender às doenças da economia e da saúde pública.

Se eu tiver que ficar de quarentena, não vai fazer a mínima diferença na minha rotina.

E quem tem filhos que dependem das escolas agora fechadas, não só para aprender como também para comer?

Só temo ficar sem internet, o respirador digital que me mantém ligado ao mundo.

Enquanto escrevo, imagino quanta coisa deve ter acontecido sem eu saber.

O celular não para de apitar com novas mensagens, mas já desisti de esperar notícias boas. Dá até medo quando o telefone toca...

Vida que segue.