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Balaio do Kotscho

Tudo um dia passa, mas o boçalnarismo em marcha veio para ficar

Colunista do UOL

23/03/2020 15h43

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Mais dia, menos dia, a pandemia de coronavírus e Bolsonaro passarão, mas temo que uma praga ainda mais perigosa tenha vindo para para ficar: é o boçalnarismo em marcha, uma nova categoria de pensamento e de atitude diante da vida.

Ou não é inacreditável que 35% da população brasileira, segundo o Datafolha, ainda avalie como ótimo/bom o comportamento de Bolsonaro na crise do coronavírus?

Diante dessa tragédia há muito anunciada, e da sequência de atitudes irresponsáveis daquele que deveria comandar a nação neste momento, custa entender como 3,5 entre cada 10 brasileiros ainda apoiem o presidente da República.

Essa avaliação é pior do que a de governadores e do ministro da Saúde, mas ainda assim demonstra como mais de um terço da população não faz ideia dos perigos que está correndo com esse estropício no poder.

O boçalnarismo é anterior a Bolsonaro, é verdade, mas a partir de 2018 saiu das tumbas e dos armários da direitona enrustida, para ganhar as ruas, ao ganhar um porta-voz da mediocridade, do rancor, do ressentimento e de tudo o que há de mais nefasto e abjeto na alma humana.

Como dizia Nelson Rodrigues, os idiotas perderam a modéstia, e viraram protagonistas deste circo de horrores.

A julgar pelo Datafolha, aconteça o que acontecer, esse exército miliciano veio para ficar e não arreda pé das suas certezas, baseadas na negação da ciência, do saber e dos fatos.

Basta ver os comentários publicados neste Balaio para ver a que ponto pode chegar o negacionismo ululante, que na semana passada simplesmente se recusou a ouvir o barulho dos panelaços diários e atribuiu tudo a uma conspiração da mídia.

Em que mundo vive essa gente descolada da realidade, que inverteu o sentido das palavras verdade e mentira, dançando num baile de máscaras e batendo palmas para ver louco dançar?

Uma próxima pesquisa poderia investigar de onde eles surgiram, o que pensam da vida, onde moram, o que comem, como se relacionam _ poderia até render um Globo Repórter.

Será que eles só acreditam no Ratinho, no Silvio Santos e no bispo Macedo, assistindo à Record, ao SBT e agora à CNN?

Acham mesmo que todos os jornais e até a Globo são comunistas, a exemplo de Bolsonaro?

Para combater o "marxismo cultural", criaram o "boçalnarismo cultural", uma obra original do guru Olavo de Carvalho, um doido de pedra que caça ursos nas horas vadias.

Por falar nisso, que fim levou Regina Duarte, a nova estrelinha da companhia? Sumiu na bruma do Planalto, depois de levar um esfrega do general de plantão.

É tudo tão surreal, com a insanidade avançando sem controle, que uma medida provisória, editada na calada da noite desta segunda-feira, permitia às empresas suspender o pagamento de salários dos trabalhadores por quatro meses, "para garantir os empregos".

Como tudo é feito nas coxas, no meio do dia o governo já tinha voltado atrás, mas aqueles 35% do Datafolha devem ter aplaudido a ideia, como achariam bom se o Jim Jones dos trópicos decretasse a pena de morte para quem não estiver satisfeito.

Esse índice de apoio a qualquer barbaridade que o presidente cometa é o mesmo mostrado em todas as pesquisas anteriores do Datafolha e do Ibope sobre a avaliação do governo. Não muda nem a pau.

Se o Brasil declarar guerra à China, esses mesmos 35% vão aprovar e achar bonito.

Está na cara que o capitão está procurando uma guerra, qualquer uma, para colocar as tropas na rua, nem que seja contra os brasileiros que não obedecem mais às suas ordens. .

"Eles trabalham para criar uma situação de conflagração em que se justifique um gesto de ruptura", alertou o economista e filósofo Eduardo Gianetti da Fonseca, em entrevista publicada hoje na Folha.

Quem poderia se opor a tanta insanidade, os líderes do Congresso e do Judiciário, fingem que está tudo normal e ficam falando em pacto de harmonia entre os três Poderes, propondo paz e amor, bicho.

Para falar uma língua que os devotos do boçalnarismo entendem, é como o sujeito pendurado no pau-de-arara pedir ao torturador para ser um pouco mais delicado.

Vida que segue.