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Oposição unida pede renúncia de Bolsonaro: "Vem aí outro Jânio Quadros?"

Colunista do UOL

30/03/2020 15h23

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No Brasil, como sabemos, a história costuma se repetir como farsa, e também como tragédia.

Foi o que pensei ao escrever a coluna "Vem aí outro Jânio Quadros?", publicada na coluna vertical da página A2 da Folha, no dia 29 de dezembro de 2018, três dias antes da posse do capitão Jair Bolsonaro, que chegou ao Planalto embalado pelos gritos de "Mito!"

No texto, mostrei a semelhança que havia entre as duas trajetórias improváveis da ascensão de ambos ao poder.

"Jânio se lançaria candidato à Presidência por uma coligação anti-getulista de pequenos partidos. Logo conquistaria o apoio de banqueiros e fazendeiros da UDN (...) Jânio não era um homem de partido, não pertencia a nenhum clã, combatia a velha política, andava em mangas de camisa, encarnava o moralismo autoritário e fez da vassoura seu símbolo do combate à corrupção".

Parecia que eu estava adivinhando o que poderia acontecer no Brasil, exatos 60 anos após a trágica renúncia de Jânio Quadros:

"Apenas sete meses após a posse, ao perder o apoio da UDN no Congresso, Jânio renunciou. Jogou tudo para o alto, sonhando em voltar nos braços do povo num lance bonapartista que não deu certo, e afundou o Brasil numa profunda crise política, que quatro anos depois desaguaria no golpe militar de 1964".

E terminava assim:

""Qualquer semelhança..."

***

Claro que havia também várias dessemelhanças entre os dois personagens. Jânio era professor de português, tinha sido antes prefeito e governador de São Paulo, era um homem culto, conhecedor do mundo em que vivia.

Bolsonaro, o exato oposto, completa agora 14 meses no poder, o dobro do tempo que Jânio permaneceu no Planalto.

Pois agora, pela primeira vez desde as eleições de 2018, os principais líderes de oposição conseguiram se unir para pedir a renúncia de Jair Bolsonaro.

O autor da proeza foi o próprio presidente, que até aqui só fazia ele mesmo oposição ao seu próprio governo, e não enfrentava resistências em seu projeto macabro de destruição do país, para depois construir um outro a partir do zero, como disse num encontro de líderes da extrema-direita, em Washington, logo no início do seu governo.

Em manifesto lançado nesta segunda-feira, assinado pelos ex-presidenciáveis Fernando Haddad, do PT, Ciro Gomes, do PDT e Guilherme Boulos, do PSOL, entre outros líderes políticos, Bolsonaro é acusado de ser "um presidente da República irresponsável", que agrava a crise do coronavírus.

Confesso que foi uma grata surpresa para mim esse consenso inédito, que conta com o endosso também do governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB, e do presidente do PSB, Carlos Siqueira.

Quem acompanha esse blog deve lembrar que ainda outro dia eu pedi aqui a renúncia de Bolsonaro, já que um processo de impeachment sempre é demorado e traumático, ainda mais em meio à pandemia que o país enfrenta. Mas esse movimento só seria possível com a união das oposições e da sociedade civil, como aconteceu na luta pela redemocratização do país, em 1984.

Ontem, defendi junto ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal providências urgentes para promover a interdição do presidente da República, após a afronta do passeio de domingo pelas ruas de Brasília, contra as orientações do Ministério da Saúde, que recomenda a manutenção do isolamento social para evitar aglomerações.

Renúncia ou interdição, o fato é que o país hoje procura uma saída, pois já há um consenso de que Bolsonaro não tem mais condições de governar o Brasil, neste momento em que, mais do que nunca, é preciso haver união dos agentes políticos para enfrentar o inimigo comum, o coronavírus.

Chegou a um ponto de ingovernabilidade, com o presidente cada vez mais isolado e brigando com os próprios ministros, que velhas divergências da esquerda foram superadas e a oposição saiu da letargia em que se encontrava, para defender a população dos desvarios presidenciais, cada vez mais insanos.

Em lugar de notas que ninguém lê e de manifestações isoladas, estas lideranças da oposição produziram um manifesto vigoroso em que acusam o presidente de cometer crimes, fraudar informações, mentir e incentivar o caos:

"Basta! Bolsonaro é mais que um problema político, tornou-se um problema de saúde pública. Falta a Bolsonaro grandeza. Deveria renunciar, que seria o gesto menos custoso para permitir uma saída democrática ao país. Ele precisa ser urgentemente contido e responder pelos crimes que está cometendo contra o nosso povo (...)". Jair Bolsonaro é o maior obstáculo à tomada de decisões urgentes para reduzir a evolução do contágio, salvar vidas e garantir a renda das famílias, o emprego e as empresas".

Renunciar, quaisquer que sejam as circunstâncias, e motivos não faltam, é uma decisão unilateral que exige um gesto de grandeza do governante.

Jânio também tinha fama de doido, mas teve este gesto.

Por isso, acho muito difícil que a história possa se repetir. E que não leve a um novo golpe.

Aconteça o que acontecer, o manifesto lançado hoje mostra que a oposição está viva e disposta a cumprir seu papel neste momento grave da vida nacional.

A registrar, a ausência do nome do ex-presidente Lula no documento, representado por Fernando Haddad e pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

Que Lula e Ciro também tenham o gesto de grandeza de se sentar à mesma mesa, para discutir um projeto para o país, pós-coronavírus e pós-Bolsonaro, as duas pragas que ameaçam a nossa sobrevivência.

Não poder haver mal que nunca acabe.

Vida que segue.