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Balaio do Kotscho

Capitão Cloroquina venceu: mais gente nas ruas, novo recorde de mortes

Colunista do UOL

09/04/2020 13h57

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Jair Bolsonaro, o Capitão Cloroquina, venceu a batalha de comunicação contra a ciência, a medicina e o resto do mundo.

Após seus cinco pronunciamentos em rede nacional de TV, contra o isolamento social e em defesa da milagrosa cloroquina, a cada dia mais gente rompe a quarentena e volta às ruas.

Dá para ouvir o barulho do movimento voltando ao normal daqui do meu confinamento. Em São Paulo, já acabou o silêncio do início da quarentena.

Resultado: na quarta-feira, o Brasil bateu mais um recorde de mortos e infectados pelo coronavírus.

Com as 133 mortes num único dia, já chegamos a mais de 800 vítimas da pandemia e o número de casos confirmados de Covid-19 passou de 13,7 mil para 15,9 mil.

"Quarentena por coronavírus afrouxou em todas as capitais do País", informa o Estadão, em reportagem de Tulio Cruse.

Com base na localização de 60 milhões de telefones celulares no país, a variação no aumento de circulação de pessoas, entre o final de março e o começo de abril, nas principais capitais brasileiras, foi identificada pela empresa In Loco.

O caso mais dramático é o do Amazonas, onde a queda do isolamento já deixou o sistema de saúde à beira do colapso.

"Com pouco mais de cem casos novos de Covid-19 a cada dia, o Amazonas está com 95% dos leitos de UTI e respiradores da rede pública ocupados, admitiu na terça o governo estadual", relata o repórter Fabiano Maisonnave, na Folha.

O governador Wilson Lima calcula que o estado tem "folego para mais uma semana".

O motivo é óbvio: menos da metade da população de Manaus está respeitando o isolamento, que diminui a cada semana, segundo o levantamento da empresa In Loco.

Apenas 64 dos 350 moradores de rua de Manaus estão no abrigo emergencial criado pelo governo.

"Se a gente não conseguir abrigar as pessoas, daqui a alguns dias haverá mortos na rua, como no Equador", prevê a coordenadora da Pastoral do Povo da Rua, Natércia Navegante.

No discurso de quarta-feira, abafado pelo barulho de novos panelaços, em que voltou a criticar o isolamento defendido pelo Ministério da Saúde, Bolsonaro se dirigiu aos "mais humildes, que não podem deixar de se locomover para buscar seu pão de cada dia".

Segundo Bolsonaro, "a grande maioria dos brasileiros quer voltar a trabalhar". Sem se preocupar com as consequências, o Capitão Cloroquina coloca em risco a vida de milhares de brasileiros e ameaça todo o sistema de saúde de entrar em colapso, como aconteceu na Itália, e se repete agora em Nova York, pela desídia dos seus governantes.

Ameaçado de ser ejetado do cargo na segunda-feira, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, deu um cavalo de pau nas suas posições, depois de uma reunião com o presidente no Palácio do Planalto.

Enquanto seus assessores informavam o número recorde de mortos e contaminados, o ministro proclamou na entrevista coletiva que "quem comanda esse time aqui é o presidente Jair Messias Bolsonaro".

Bonito, mas se for verdade, esse é o problema.

Para não ser demitido, Mandetta trocou seu papel de novo "herói nacional" pelo de fiel soldado e adotou o discurso do chefe até em relação à cloroquina.

Nas redes sociais, o "gabinete do ódio" comandado pelo filho Carluxo continuava a todo vapor sua guerra particular contra a quarentena imposta pelos governadores.

Em Imperatriz, no Maranhão, a médica bolsonarista Joselita Aguiar convocou seus colegas para mostrar como os hospitais estão vazios e a pandemia é uma invenção da imprensa para "construir um caos".

"Vamos desmascarar essa corja. A gente pode filmar os nossos hospitais, vamos mostrar ao país o que realmente está acontecendo. Nós não podemos ficar à mercê deste bando de esquerdopatas visando unicamente o bem-estar deles em detrimento do bem-estar da nação. Vamos lá".

É nesse clima de fanatismo ideológico e fundamentalismo religioso, estimulado pelo próprio governo, que o Brasil se aproxima da fase mais aguda da pandemia, com o trânsito voltando ao normal e o comércio novamente de portas abertas. Estamos no breu, mesmo depois que o STF colocou um freio nas alucinações federais.

Haja cloroquina, jejum e orações.

Vida que segue.