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Balaio do Kotscho

Resumo da ópera: Bolsonaro precisava rifar Moro e Moro já queria cair fora

Colunista do UOL

13/05/2020 17h56

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Todo o teatro armado em torno do rompimento de Moro com Bolsonaro, criador e criatura, se resume a um fato bem simples.

Em resumo: chegou uma hora em que um queria se livrar do outro, os dois de olho em 2022.

Bolsonaro, que pode ser tudo menos ingênuo, não demorou para perceber que estava criando cobra no seu quintal e dormindo com um inimigo poderoso no caminho da reeleição.

Não era só para proteger seus filhos e amigos que Bolsonaro forçou a troca no comando da Polícia Federal, um pretexto para tirar Moro do caminho.

De um lado, o presidente nunca se conformou em ter um ministro com mais popularidade do que ele e fez de tudo para humilhá-lo no governo.

De outro, Moro engoliu todos os sapos calado, sem espernear, até perceber que participar desse governo era uma roubada, estava queimando o seu filme.

Frio, calculista e ambicioso, o ex-juiz se fingiu de morto, mesmo sabendo que jamais seria nomeado para o Supremo Tribunal Federal.

Seu grande projeto era, e é, outro: ficar com a cadeira do chefe.

A fritura de Marcelo Valeixo, o ex-diretor geral da PF, serviu apenas de pretexto para consumar a separação dos dois.

Como era um casamento de conveniência, Moro só estava esperando o melhor momento para cair fora do barco furado no momento de maior rejeição ao governo Bolsonaro.

Para Bolsonaro, Moro virou um estorvo a partir do momento em que correu para os braços do Centrão enrolado na Lava Jato, para salvar a sua cadeira ameaçada pelo impeachment.

A bandeira do combate à corrupção, que era uma marca de fantasia, foi rifada na hora da onça beber água.

O que Bolsonaro não esperava era que Moro saísse atirando.

Se não aconteceu nada com a demissão de Mandetta, outro ministro mais popular que o presidente, que saiu de mansinho, Bolsonaro achou que tinha chegado a hora de dar também um chega-pra-lá no ex-juiz.

A aliança dos dois para derrotar Lula e o PT em 2018 já estava balançando desde meados do ano passado, quando o presidente lançou sua campanha à reeleição.

Não havia espaço para dois candidatos a presidente do mesmo campo político.

Certamente, o capitão também não esperava que seu fiel escudeiro na PGR, Augusto Aras, mandasse abrir uma investigação no STF para apurar as denúncias que Moro fez para justificar sua saída do governo.

Para piorar tudo, o processo no STF caiu nas mãos do decano Celso de Mello, com quem não tem essa conversa de passar o pano para preservar as instituições, tão cara a muitos dos seus pares.

Agora, não tem jeito, a sorte está lançada.

Ou Aras livra a cara de Bolsonaro e acusa Moro por denunciação caluniosa, ou Bolsonaro é denunciado por crimes variados e vai ter que fazer o mesmo que Michel Temer para salvar seu mandato na Câmara, ou seja, abrir os cofres para o Centrão.

Inocentar os dois é impossível. Não dá para alegar que foi tudo um mal entendido.

Resta saber quem está mentindo. Na guerra de narrativas, Moro saiu na frente, com os vazamentos de praxe, mas com a ajuda dos generais palacianos Bolsonaro reagiu e criou outra história, acredite quem quiser.

Nesta nova versão, o presidente dirigiu sua bronca na reunião ministerial ao GSI do general Heleno, por não dar segurança a seus filhos e amigos no Rio, e não à PF de Moro, para livrar os meninos de encrencas na Justiça carioca.

O problema é que agora há uma pandemia no meio do caminho, o caixa do governo está zerado, entrou no vermelho, e o preço dos novos aliados subiu.

Bolsonaro corre o risco de perder Paulo Guedes, o outro pau da barraca, que cuida do cofre, anda meio sumido e está preocupado com o apetite da tropa do Centrão de Roberto Jefferson & Cia.

Paira nos céus de Brasília um ar de fim de feira, um salve-se quem puder, com vaca estranhando bezerro e todo mundo andando de costas para a parede.

Esta é uma história em que todos se achavam muito espertos, um achando que ia usar o outro, e no fim todos acabaram nas mãos da Justiça, que vai decidir os próximos capítulos.

Nem o mais criativo roteirista da Globo seria capaz de apresentar um enredo assim, sem mocinhos.

Vida que segue.