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Covid-19 mata mais pretos e pobres: a autópsia da desigualdade e do racismo

Colunista do UOL

06/07/2020 15h45

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No rastro das mais de 65 mil mortes provocadas pela pandemia de Covid-19, duas chagas da sociedade brasileira foram escrachadas como nunca antes: a profunda desigualdade social e o racismo estrutural.

Na verdade, desigualdade e racismo andaram juntas desde sempre neste país que normalizou a escravidão e a injustiça social, onde crescem a concentração de renda, de um lado, e os níveis de miséria, de outro.

São pretos, pobres e indígenas os que mais morrem nos hospitais, quando conseguem vaga num hospital, excluídos dos direitos mais básicos da cidadania, abandonados ao seu próprio destino.

De uma hora para outra, descobrimos que nossa população é em sua maioria constituída de negros e mulheres, historicamente tratadas como minorias, assim como os pobres excluídos do mercado.

E a imensa maioria dos que ainda têm trabalho ganham menos de dois salários mínimos por mês, vivendo em condições sub-humanas nas periferias urbanas e rurais, nas favelas, nos cortiços, nas palafitas, sem saneamento básico, sem assistência médica, sem segurança alimentar.

Manchete da Folha desta segunda-feira revela que 100 milhões de brasileiros vivem em locais sem leitos de UTI, só encontrados em 6% das cidades do país.

Não é preciso ir longe para encontrar as consequências dessa iniquidade de um Brasil governado para poucos: aqui em São Paulo, a maior cidade do país, boletim epidemiológico da prefeitura, divulgado no final de abril, informa que a morte de negros por Covid-19 é 62% maior em relação aos brancos.

Mata-se por desídia também o futuro do país: levantamento feito pela Agência Publica mostra que o número de mortes entre menores de 19 anos no Brasil é maior do que em outros países atingidos pela pandemia.

Especialistas apontam a pobreza como fator de risco para as principais comorbidades infantis.

Em São Paulo, 93% das mortes de crianças e adolescentes por síndrome respiratória aguda são de moradores da periferia e de comunidades de baixa renda.

Só agora as autoridades descobriram uma população de mais de 30 milhões de "invisíveis", sem lenço nem documento, ao fazer o cadastro para o auxílio emergencial.

Claro que isso é uma obra de séculos, não de um ou outro governo.

Mas nunca a população brasileira se sentiu tão desamparada do poder público, sem um comando centralizado, uma situação que só não é mais grave graças ao SUS e suas bravas equipes, antes tão desprezado pelas elites deletérias e predadoras, assim como as cotas para negros e pobres nas universidades, o Bolsa Família e todos os programas de assistência social implantados nos últimos anos.

Cansei de ouvir gente rica reclamando que "ficam distribuindo o dinheiro dos meus impostos para esses vagabundos do nordeste", mesmo sendo contumazes sonegadores.

A pandemia não atinge a todos igualmente, como muitos costumam dizer. Todos os indicadores sociais e econômicos de um estudo do IBGE do ano passado, ainda antes da pandemia, mostram que a população negra é a maior vítima da estrutura econômica e enfrenta mais dificuldades para ter acesso à educação e à saúde.

Racismo não é só chamar o negro de macaco ou pisar no seu pescoço, mas lhe negar as mesmas oportunidades oferecidas à população branca.

Se tem algo de positivo nessa tragédia que estamos vivendo é ter aberto os olhos de muita gente para este Brasil real, que se procurava esconder debaixo do tapete.

Dá gosto de ver que agora a imprensa está pautando esses assuntos. Já vemos mais negros nas propagandas, nas entrevistas da televisão, nos debates na internet e nas colunas dos jornais.

Nada será como antes depois da pandemia, assim espero.

Vida que segue.