"Efeito Bolsonaro": sem governo nem oposição, o Brasil entra no ponto morto
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Até outro dia, os Três Poderes estavam em conflito aberto, a caminho de uma grave crise institucional.
Devotos do governo pediam o fechamento do Congresso e do STF em frente ao "Forte Apache", o QG do Exército em Brasília, em manifestação que contou com o apoio do presidente discursando na caçamba de uma camionete.
Como que por encanto, inimigos viraram amigos de infância de um dia para outro, num grande acordão, em repetidas confraternizações e declarações de amor.
O país entrou em ponto morto, com o poder entregue ao Centrão, agora dando as cartas no Congresso, e o STF trocando Celso de Mello pelo Kassio com "k", que vai ser aprovado pelo Senado a toque de caixa, para garantir a maioria da bancada do governo, exatamente como Trump está fazendo nos Estados Unidos.
Os filhos e os amigos agora podem dormir tranquilos.
Reina em todo território nacional neste momento a paz dos cemitérios. Sem governo, sem oposição e sem Judiciário independente, nada mais acontece de relevante para acordar o gigante adormecido.
Enquanto isso, na Sala da Justiça...
Para distrair a plateia, o noticiário é ocupado pelo traficante André do Rap, eminência do PCC, que o ministro Marco Aurélio mandou soltar e o presidente do STF, Luiz Fux, mandou prender de novo, depois que o perigoso elemento já havia fugido do país.
Tudo se normaliza rapidamente, tornando todas as anormalidades e barbaridades o "novo normal".
O repórter Diego Garcia revela hoje na Folha um estudo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) realizada em parceria com o IRD (Instituto Francês de Pesquisa e Desenvolvimento), que identifica um "efeito Bolsonaro" na propagação da pandemia do coronavírus no Brasil.
Ao cruzar os dados sobre a expansão da doença com o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais nos 5.570 municípios, o estudo encontrou uma correlação entre a preferência pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a expansão da covid-19.
Segue o baile
Para cada 10 pontos percentuais a mais de votos para Bolsonaro há um acréscimo de 11% no número de casos e de 12% no número de mortos.
Resultado: o país já conta com mais de 150 mil mortos e mais de 5 milhões de casos de contaminação pelo coronavírus, tornando-se o segundo país com mais vítimas no mundo, mas isso não causa nenhuma comoção.
Todo mundo vai mesmo morrer um dia, então não podemos fazer nada para evitar novas vítimas, porque a vida precisa voltar ao normal, sem o uso de máscaras nem distanciamento social, como quer o presidente.
No país movido por liminares, a lei é igual para todos, menos para os juízes que deveriam zelar por elas.
Cada juiz, uma sentença, eles fazem suas próprias leis.
Entre uma canetada e outra
Até ontem, o prefeito carioca Marcello Crivella, candidato à reeleição, era considerado inelegível pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. Mas, com uma canetada o ministro Mauro Campbell Marques, do Tribunal Superior Eleitoral, derrubou a condenação do bispo nesta terça-feira.
O eleitor fica sem saber se pode ou não votar em Crivella porque amanhã outro juiz pode derrubar a liminar e, no fim, o caso vai parar no Supremo Tribunal Federal, o mesmo que mandou soltar e prender André do Rap, o megatraficante que deve estar indo muito disso tudo e dando uma banana para a Justiça, um retrato do Brasil.
É bem possível que esse processo continue rolando até depois das eleições.
Como chegamos a esse "efeito Bolsonaro", que hoje rege nossas vidas e mortes?
Ecos do passado recente
É preciso recuar a 2015, quando o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, procurou o cientista político Denis Rosenfield, um discreto articulador da direita, para pedir que o apresentasse ao vice-presidente Michel Temer (MDB), como revela hoje o Painel da Folha.
"Os militares estavam preocupados com o país", explicou Rosenfield, durante o lançamento do livro de Michel Temer, "A Escolha",
Foi então marcado um encontro sigiloso entre o general e o vice de Dilma Rousseff (PT), do qual participou também o chefe do Estado Maior, general Sergio Etchegoyen, que no ano seguinte se tornaria, por acaso, ministro de Michel Temer.
Candidamente, Temer disse ao Painel que "não havia a perspectiva de impedimento àquela altura" e o encontro seria apenas para eles se conhecerem melhor.
Que bonito! Poderia não haver ainda a "perspectiva", mas já havia o desejo comum.
Cadê a oposição?
Foi ali que se abriu a porta para a escalada de Jair Bolsonaro ao poder em 2018, com a prestativa colaboração do mesmo general Villas Boas, que usou todo seu poder no Twitter para ameaçar o STF e manter preso o ex-presidente Lula, que liderava as pesquisas.
Em todo esse enredo macabro, o grande ausente até agora é a oposição, que não dá um pio.
E a boiada continua passando, nas porteiras derrubadas na Amazônia, no Pantanal e no Estado de Direito, rumo à reeleição.
Vida que segue.
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