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Verbas da pandemia: no escândalo da cueca-poupança, buraco é mais embaixo

Um dia "voadora no pescoço". No outro, "não tenho nada com isso". É assim a união estável com o Centrão - Reprodução/Twitter
Um dia "voadora no pescoço". No outro, "não tenho nada com isso". É assim a união estável com o Centrão Imagem: Reprodução/Twitter

Colunista do UOL

16/10/2020 16h17

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Nessa escatológica história do senador da cueca-poupança, o problema não é nem o local inusitado escolhido por Chico Rodrigues para esconder o dinheiro vivo.

O que mais me intriga é o motivo.

Poderia simplesmente ter escondido o dinheiro no armário e alegado qualquer coisa, sei lá, que foi o pagamento da venda de gado ou da dívida de um amigo, como alegou Bolsonaro quando descobriram o primeiro cheque do Queiroz na conta de Michelle, ainda antes da posse. E não se tocou mais no assunto.

O que pode levar ao desespero um senhor sexagenário, vice-líder do governo no Senado, velho amigo do presidente, para correr o risco de passar por esse monumental vexame ao ver a polícia entrar na sua casa?

É muito amadorismo, convenhamos. Ou ele imaginava que os policiais não iam desconfiar de nada ao notar o volume da sua poupança?

Me deu a impressão de que ele tinha acabado de receber mais uma parcela da propina de praxe, e ainda estava contando as notas, quando foi pego em flagrante, sem ter tempo de esconder a bufunfa.

Cidadãos de bem

Guardar dinheiro vivo em casa não é crime, desde que você possa provar a origem, claro.

Esse é o problema de Rodrigues e de tantos outros bolsonaristas, cidadãos de bem, habituados a comprar imóveis em penca com grandes volumes de grana em espécie, carregados em malas e mochilas, quando seria tão mais simples fazer uma transferência bancária.

Depois de proceder à necessária lavagem do dinheiro (literalmente), a Polícia Federal agora tem que descobrir de onde veio essa poupança, quais os caminhos percorridos até chegar ao cofrinho do senador.

Se ficar comprovado que foi desvio de verbas para o combate à pandemia, então trata-se de um crime hediondo, que pode ter causado mortes de pacientes da covid-19 em Roraima.

O preço do apoio do Centrão

Surpreendido pelo caso, depois de ter anunciado na véspera que daria "uma voadora no pescoço dos corruptos", Bolsonaro apressou-se em dizer que não era problema dele e que o vice-líder do governo nada tinha a ver com o governo. Só que tem, e muito.

Começa com a distribuição de verbas do Ministério da Saúde, por meio de emendas parlamentares, que intermedeiam a aplicação dos recursos em seus redutos eleitorais e indicam as empresas fornecedoras de equipamentos para os hospitais, em troca de uma módica comissão.

Esse é o preço pago pelo apoio do Centrão à "governabilidade", que faz a fortuna da turma do baixo clero.

Quantos outros casos iguais aos de Chico Rodrigues não terão acontecido na farra das emendas parlamentares patrocinadas em meio ao combate à pandemia?

Os Chicos andam por aí...

Pegaram o senador em flagrante delito, mas se procurarem direito quantos outros esquemas iguais aos dele não continuam em pleno funcionamento, enquanto o país empilha mais de 150 mil mortos e registra mais de 20 mil novos casos de contaminação por dia?

Se quisermos mesmo combater a corrupção, acabar com as emendas parlamentares já seria meio caminho andado, mas quem tem coragem de fazer isso? Aqui o buraco é mais embaixo.

Precavido, Rodrigues investiu seus lucros em imóveis, uma prática usual entre os cupinchas do senador.

Quando se candidatou ao Senado em 2018, depois de cinco mandatos como deputado federal, por variados partidos, o senador declarou um patrimônio de R$ 1.999.315,15. Foi bastante modesto no cálculo.

Futuro garantido, com patrimônio e filho como suplente

Entre os imóveis que integravam a lista de bens, registra uma bela mansão na QI 25 do Lago Sul, bairro nobre de Brasília, declarada no valor de módicos R$ 150 mil, onde ele morava antes de pedir um apartamento funcional do Senado, para morar de graça às nossas custas.

A mansão foi vendida em 2019, mas Rodrigues possui também dois flats no Hotel Metropolitan, no Setor Hoteleiro Norte de Brasília. Além disso, é dono de outra mansão e 18 terrenos em Roraima.

Se tudo der errado, o futuro da família está garantido. Caso perca o mandato, quem assume a vaga é o filho Pedro Arthur, seu suplente, também filiado ao DEM.

De pai para filho, a velha política sobrevive no Centrão, sempre no poder, qualquer que seja o governo, agora em aliança com militares, milicianos e evangélicos.

Bom fim de semana.

Vida que segue.