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OPINIÃO

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"Eu não queria estar aqui. Deveria estar em Brasília", desabafa Bolsonaro

O presidente Bolsonaro ao lado da equipe médica no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo - Reprodução/Facebook
O presidente Bolsonaro ao lado da equipe médica no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

05/01/2022 13h29Atualizada em 05/01/2022 13h48

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"De um lado, um profissional responsável interrompe suas férias para cuidar de um caso fecal. Do outro, um pusilânime que não interrompeu suas férias ostentação para cuidar do povo que está sofrendo e morrendo em enchentes históricas," (Antonio Marques, de Cotia/SP, no Painel do Leitor da Folha).

***

Como nos shows de fim de ano de Roberto Carlos, o script é sempre o mesmo.

Algum filho ou assessor informa que o presidente está passando mal, com dor de barriga, e logo começa a mobilização da máquina pública para salvar a vida dele, tudo transmitido ao vivo pela televisão. É o interminável "show da facada", que começou em Juiz de Fora, na campanha eleitoral de 2018.

Ambulâncias, helicópteros e aviões são acionados para levar o ilustre doente o mais rápido possível, de onde ele estiver, para o Vila Nova Star, o hospital seis estrelas de São Paulo, onde equipes e equipamentos das redes de televisão são instalados às pressas para acompanhar a internação.

O suspense é criado em torno da gravidade de uma nova obstrução intestinal, se será necessária ou não outra cirurgia. Desta vez, é preciso esperar a chegada do médico Antônio Luiz de Vasconcellos Macedo, que estava de férias nas Bahamas, onde um avião enviado pelo hospital foi buscá-lo para atender à emergência presidencial.

Assim que é internado, logo o presidente posta no Twitter aquela tradicional foto dele deitado no leito hospitalar, fazendo o sinal de "ok", ao lado do filho Carlos 02, responsável pelas suas redes sociais.

Filhos, ministros, generais e parlamentares aliados pedem orações pela sua pronta recuperação. Devotos enrolados na bandeira brasileira aparecem rezando na porta do hospital.

No dia seguinte à internação do presidente na madrugada de segunda-feira, assim que chegou de viagem, sem trocar de roupa, o doutor Macedo analisou os exames, apalpou a barriga do presidente e logo anunciou que não é caso de nova cirurgia.

"Bolsonaro pode receber alta a qualquer momento", comunicou o filho Flávio 01 à imprensa, na terça-feira, como se o país inteiro estivesse ansiosamente esperando por essa notícia.

Hoje cedo, o próprio presidente publicou no Twitter, junto a uma foto ainda na cama, cercado pelos médicos da equipe do doutor Macedo: "Alta agora. Obrigado a todos. Tudo posso naquele que me fortalece".

A foto me lembrou aquela de Tancredo Neves de robe, sentado num sofá ao lado da mulher e da junta médica, para mostrar que ele estava passando bem, pouco antes de sua morte, em 1985. A diferença é que o presidente que não tomou posse estava gravemente enfermo, após várias cirurgias no intestino, já com metástase.

No caso de Bolsonaro, não é nada grave, segundo seu médico, embora admita que ele possa ter novas obstruções intestinais, consequência da farra à tripa-forra durante as duas semanas de férias nas praias de São Paulo e Santa Catarina, em que se exibiu comendo pastéis e tomando caldo de cana nas ruas, sempre cercado de admiradores, enquanto nos quartéis são servidos filé e picanha, entre outras finas iguarias.

Antes de deixar o hospital, o presidente ficou meia hora se explicando aos jornalistas para negar que a internação foi "politizada" e responder aos que o acusam de que a facada de Juiz de Fora tenha sido "armada".

"Estamos na frente do doutor Macedo, isso é uma agressão a ele. Uma agressão aos médicos de Juiz de Fora. Querer politizar uma tentativa de homicídio? As imagens mostram a faca entrando e saindo com brilho. Vai falar que é fake? A faca passou a poucos centímetros da aorta. Essa internação não tem efeito político, eu não queria estar aqui. Deveria estar em Brasília (...) Agora, querer levar para a politização, falar que estou me vitimizando? Está de brincadeira comigo. Tenho minha honra. Tenho muito a zelar", desabafou.

Bolsonaro deve ter sido informado pelo filho sobre o que rolou nas redes sociais estes dias. Não pegou nada bem a nova internação, ainda em consequência da facada que o tirou dos debates eleitorais de 2018, e agora pode servir de novo como álibi. A maioria das postagens foi negativa para o presidente.

Por isso, ele também negou que estivesse de férias, garantindo que o governo deu todo apoio aos flagelados da Bahia: "Presidente não tem férias. É maldoso quem fala que estou de férias. Só dou minhas fugidas de jet-ski, dou uns cavalos-de-pau no carro do Beto Carrero".

Ah, bom. Se não são férias o que ele ficou fazendo na praia estes dias todos?, alguém poderia ter perguntado.

O atentado que sofreu em Juiz de Fora na campanha de 2018 ainda vai render neste novo ano eleitoral. O processo que levou à prisão Adélio Bispo foi reaberto, a Polícia Federal trocou o delegado responsável e novos capítulos deverão surgir, prevê o presidente.

"Espero que a PF aprofunde mais. Agora conseguimos adentrar no telefone dos advogados. No meu entender, não está difícil de desvendar. Vai chegar em gente importante. Não foi da cabeça dele que ele (Adélio) fez aquilo".

Seria melhor para o país se o presidente agora pudesse cuidar de outros assuntos, dar atenção aos problemas que afligem a vida real da população, o desemprego, a fome e as enchentes, o novo avanço das contaminações na pandemia e, se possível, com o governo deixando de sabotar a tão necessária vacinação infantil, ainda sem data para começar até a hora em que escrevo.

Vida que recomeça.