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OPINIÃO

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De um 25 de abril a outro: próspera democracia em Portugal, recuo no Brasil

Carlos Alberto Ferreira, de 72 anos, carrega solitário a bandeira de Portugal na Avenida Liberdade durante celebração da Revolução dos Cravos - Corbis/Getty Images
Carlos Alberto Ferreira, de 72 anos, carrega solitário a bandeira de Portugal na Avenida Liberdade durante celebração da Revolução dos Cravos Imagem: Corbis/Getty Images

Colunista do UOL

25/04/2022 14h11

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Com uma década a nos separar, foi num dia 25 de abril (de 1974, em Portugal, e de 1984, no Brasil), que os dois países irmãos, ou melhor, pai e filho, gritaram a uma só voz: "Liberdade!"

Num dia como hoje, há 48 anos, os portugueses se irmanavam nas ruas para comemorar a vitória da Revolução dos Cravos, que libertou o país do interminável regime salazarista, restituindo a democracia e os direitos civis. Foi uma grande, inesquecível festa popular.

No Brasil, exatamente dez anos depois, também num 25 de abril, o grito ficou entalado na garganta, quando a Emenda Dante de Oliveira, que restituía as eleições diretas para presidente da República, foi derrotada pela ditadura militar, já em seus estertores. Faltaram apenas 21 votos para a sua aprovação na Câmara dos Deputados, uma tristeza danada, depois que milhões de brasileiros inundaram as ruas e praças do país durante cinco meses, nas maiores manifestações populares da nossa história.

Perdemos naquele dia, mas, já no ano seguinte, assumia o primeiro governo civil, eleito ainda pela via indireta do Colégio Eleitoral, e o Brasil voltava a viver numa democracia plena, após a longa noite de 21 anos dos generais do golpe militar de 1964.

Essas coincidências históricas nos fazem pensar como a história dos países é escrita por linhas tortas do destino, num eterno sobe e desce, esquenta e esfria, avanço e recuo.

Tantos anos depois, Portugal vive numa democracia próspera e consolidada, admirada pela Comunidade Europeia e invejada pelos brasileiros, pois que lá não há mais nem sombra da ditadura salazarista e nenhum perigo de volta a um passado que não deixou saudades.

Já aqui, ao contrário, depois do mais longo período democrático e de plenas liberdades da nossa história recente, convivemos diariamente com a ameaça de novo retrocesso institucional, promovido por um governo paramilitar comandado por esbirros saudosistas da ditadura.

Em lugar de líderes políticos e da sociedade civil, generais voltam a ocupar as manchetes e o noticiário, colocando em risco as eleições presidenciais marcadas para outubro deste ano, em constante choque com o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal.

Assustada e deprimida, a nação já nem reage mais aos crimes em série cometidos contra a Constituição e a democracia.

Cinco dias após a maior afronta do governo ao STF, até agora, com o perdão presidencial ao seu aliado Daniel Silveira, condenado a 8 anos e 9 meses de prisão, não aconteceu nada, além de notas de repúdio e muxoxos da oposição.

No Carnaval fora de época deste fim de semana, mais do que alegria, vi o povo extravasar sua raiva, diante de tudo o que está acontecendo, mas fica nisso.

Festa popular, de verdade, só vi na França, em frente à Torre Eiffel, onde os democratas mais uma vez se uniram acima de suas diferenças, para derrotar a extrema direita.

Desta vez, a nossa Quarta-feira de Cinzas caiu numa segunda, 25 de abril, e promete se prolongar pelo resto do ano, se nós brasileiros não acordarmos a tempo para o perigo que estamos correndo, como aconteceu em 2018.

Que esta data nos lembre que o Brasil já se levantou uma vez, com as suas principais lideranças unidas no mesmo palanque, em defesa da volta da democracia, em 1984, nem faz tanto tempo.

Será que não chegou a hora de se unirem novamente contra a volta da ditadura, cada vez mais próxima e ameaçadora? O que ainda estão esperando?

A impressão que me dá é de estarmos batendo palmas para ver louco dançar à beira do abismo, sem nos darmos conta do perigo que todos estamos correndo.

Faltam apenas cinco meses para a abertura das urnas, se é que sobreviveremos até lá, e todo mundo continua fazendo reuniões, videoconferências, memes, tuítes engraçados, musiquinhas, protestos virtuais, como se estivessem discutindo medidas de prevenção de incêndios numa casa que já está pegando fogo faz tampo, enquanto o capitão continua em campanha, montado em cavalos ou motos no horário de expediente.

Por isso, tenho cada vez mais amigos querendo ir embora de vez para Portugal, mas eu quero ficar aqui porque não tenho mais idade para aventuras.

O Carnaval já acabou. Quando é que vão, finalmente, botar os blocos na rua?

Vida que segue.