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OPINIÃO

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Sociedade civil: quem comandará as "forças desarmadas" para deter a Besta?

Gilberto Gil no comício pelas "Diretas Já", em 1984, na praça da Sé, em São Paulo: aonde foi parar a sociedade civil? - Renato dos Anjos/Folhapress
Gilberto Gil no comício pelas "Diretas Já", em 1984, na praça da Sé, em São Paulo: aonde foi parar a sociedade civil? Imagem: Renato dos Anjos/Folhapress

Colunista do UOL

13/05/2022 17h40

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"Sem fomentar desde agora um movimento nacional pela democracia, a Besta botará sua turba e suas tropas na praça. Há que se desmascarar o golpe que vem aí, óbvio. Mas denúncias viram berreiro estéril se não forem seguidas por ações firmes. E a Besta usa o bate-boca para perturbar", escreve Mario Sergio Conti em sua coluna de sábado na Folha que acabo de ler no online da Folha.

Beleza, Mario, concordo com tudo que você escreveu, as tuas onze receitas para sairmos dessa pasmaceira paralisante, mas quem comandará as "forças desarmadas" defendidas pelo ministro Edson Fachin, aquilo que já chamamos em outros tempos de sociedade civil, na luta pela volta da democracia, ora novamente ameaçada.

Dos líderes que comandaram as grandes mobilizações pelas Diretas Já contra a ditadura nos anos 80 do século passado, quem sobrou e quem surgiu para substituir os que já morreram ou ficaram fora de combate?

No vazio deixado por Ulysses, Brizola, FHC e Covas, sobrou apenas Luiz Inácio Lula da Silva, o velho Lula, agora em sua sexta campanha presidencial.

Quem mais? Para onde se olha, é um deserto de homens e de ideias, não há outras lideranças à vista para enfrentar a Besta com as "forças desarmadas".

Um país do tamanho do Brasil não pode depositar todas as suas esperanças num único líder, com 76 anos, prestes a se casar de novo, depois de enfrentar o câncer e 580 dias de cadeia, massacrado durante anos pela mídia lavajatista. Chega a ser desumano. Essa não pode ser a luta de um homem só, tem que ser de todos nós democratas. Cadê todo mundo, caro Mário?

Além dos grandes líderes políticos sobreviventes da ditadura, tínhamos naquela época, no comando do movimento pela democracia, gente como D. Paulo Evaristo Arns, Raymundo Faoro, Barbosa Lima Sobrinho, representantes de entidades do porte da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), empresários nacionalistas, a vanguarda da academia e da cultura nacionais, a União Nacional dos Estudantes (UNE), os movimentos sociais, o novo sindicalismo, todo o Brasil da resistência unido nos palanques.

E o que temos hoje?

Até agora não vi nenhuma articulação daquelas três grandes entidades (CNBB, OAB, ABI) com os outros movimentos democráticos, nenhuma iniciativa para levar o povo de volta às ruas, para defender seus direitos roubados ou ameaçados.

Quem são hoje os líderes da sociedade civil? Sei que eles existem, mas ninguém sabe os nomes, nem por onde eles andam.

Quem lidera o empresariado nacional?

Quem ficou no lugar de D. Paulo?

Quem é o novo Faoro dos advogados?

Quem lidera os estudantes, os movimentos sociais?

Quem é hoje o grande líder dos trabalhadores?

Quem fala em nome dos favelados, dos indígenas, dos negros, das mulheres?

Quem sobrou no Congresso Nacional para nos defender?

Quem e quantos ainda arriscam os seus empregos em defesa de uma causa justa, denunciam indignidades e ainda arrostam as grandes corporações civis e militares?

De outro lado, redutos antes progressistas como as universidades e as igrejas, centros comunitários e até o movimento dos sem terra, estão sendo tomados por devotos fundamentalistas, milicos, pastores e policiais elegem-se aos montes para os parlamentos, trogloditas tomam conta da cultura, marombados fiéis da Besta saíram dos armários, perderam a modéstia e assumiram o proscênio.

Enquanto Fachin defende as "forças desarmadas", que pregam a harmonia, o amor, a ciência e a justiça, o outro lado libera armas para todos, estimula o bangue-bangue no campo e nas cidades, espalha o ódio nas redes sociais, debocha das suas vítimas e ameaça as instituições.

É uma luta desigual, desumana, inverossímil, surreal, sem regras e sem limites, em que as palavras perdem até o sentido e a única lei que vale é a do mais forte.

Cada minuto que passa, assistindo à destruição do país, sem reagir, é uma eternidade para chegarmos ao final desta tragédia, se houver mesmo eleições livres e o vencedor for empossado.

Parece inacreditável, mas pelo rumo que os últimos acontecimentos tomaram, ainda há controvérsias se isso será mesmo possível.

Só não podemos desistir do Brasil.

Vida que segue.