Topo

Balaio do Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Se não tens como ajudar, por que não te calas, Jair? Culpa é das vítimas?

Colunista do UOL

15/06/2022 15h42

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Atualizado às 17h15: neste momento, a operação de busca de Dom e Breno está seguindo para o local onde eles teriam sido esquartejados e enterrados, segundo confissão obtida durante a madrugada. Vale a pena acompanhar a cobertura ao vivo na CNN.

***

Com respeito, mas também com muita indignação, peço aos poderes constituídos para proibirem imediatamente o presidente Jair Bolsonaro de se manifestar sobre o desaparecimento na Amazônia do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira, de quem não temos notícias faz 10 dias.

Hoje, o capitão ultrapassou todos os limites de boçalidade ao responsabilizar os próprios profissionais pelo que aconteceu com eles, porque "resolveram entrar numa área completamente inóspita sozinhos, sem segurança e aconteceu o problema". Antes, já tinha falado em "aventura não recomendada", sem autorização da Funai, como se eles estivessem participando de um safári.

No mesmo dia em que o primeiro ministro-britânico, Boris Johnson, afirmou estar "profundamente preocupado" com o destino do seu conterrâneo, o presidente brasileiro atribuiu o "problema" às reportagens de Dom sobre o garimpo ilegal em terras indígenas. Por isso, "era mal visto na região", o que justificaria a reação dos nativos.

"Esse inglês era malvisto na região, porque fazia muita matéria contra garimpeiros, questão ambiental, então, naquela região, que é bastante isolada, muita gente não gostava dele".

À frente de um governo incapaz de proteger a floresta, seus habitantes e as fronteiras _ ao contrário, liberando e estimulando as invasões de garimpeiros, desmatadores, agrotrogloditas, garimpeiros e pescadores ilegais _ em três anos e meio o capitão e seus generais transformaram a Amazônia numa terra de ninguém, hoje dominada pelo narcotráfico. A ideia era só "passar a boiada" de Ricardo Salles, mas o resto veio junto.

Sem informações confiáveis dos efetivos militares e policiais enviados para a região, vejam o que o presidente-capitão teve a coragem de dizer no programa da jornalista bolsonarista Leda Nagle sobre o provável destino de Dom e Bruno:

"Aquela região, você pode ver, pelo que tudo indica, se mataram os dois, se mataram, espero que não, eles estão dentro d´água e dentro d´água pouca coisa vai sobrar, peixe come, não sei se tem piranha lá no Javari. A gente lamenta tudo isso ai".

Beleza de explicação. Na época da ditadura militar, que Bolsonaro não se cansa de enaltecer, em que centenas de brasileiros também "desapareceram", um método muito utilizado para sumir com os corpos era exatamente esse: arrancar as vísceras das vítimas, amarrá-las a uma pedra, enfiá-las num saco e jogá-las nos rios ou no mar.

Em 1995, o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou uma comissão para localizar os desaparecidos do regime militar, que hoje está abrigada no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e ninguém sabe que fim levou. Com reunião marcada para os próximos dias, depois de muito tempo sem se falar nela, esta comissão agora deverá simplesmente ser extinta pelo governo Bolsonaro, para nunca mais se falar neste assunto.

"Quem gosta de osso é cachorro", dizia o deputado Jair Bolsonaro quando saiam notícias sobre a busca das ossadas dos mortos pela ditadura. Chegou a colocar um cartaz no seu gabinete com esses dizeres.

Eu mesmo cheguei a participar de uma expedição ao Araguaia-Tocantins organizada pelo Ministério da Defesa, no tempo de Nelson Jobim, mas era evidente que, passado tanto tempo, nem a mata na região onde essas pessoas desapareceram já não existia mais.

Depois, veio a Comissão da Verdade, criada pela presidente Dilma Rousseff, o que lhe custou sérios atritos com os militares, e foi um dos motivos da sua deposição, cujo relatório final foi entregue àquela primeira comissão dos desaparecidos de FHC, e nunca mais se falou no assunto.

Com a sem-cerimônia de quem está tratando de um assunto banal, na mesma entrevista, Bolsonaro disse que dom Phillips "tinha que ter redobrada atenção consigo próprio e resolveu fazer uma excursão. A gente não sabe se alguém viu e foi atrás dele, lá tem pirata no rio, lá tem tudo que possa imaginar lá".

Sim, lá tem tudo que se possa imaginar, menos a presença do Estado brasileiro, depois do desmonte da Funai e do Ibama, para "acabar com a indústria da multa". E não se tratava de uma "excursão", mas do trabalho de campo de dois defensores da floresta, que dedicaram suas vidas a defender os povos originários ameaçados pela invasão bolsonarista, e que mereciam mais respeito por parte do nosso governo.

Se não tem como ajudar, Bolsonaro poderia pelo menos parar de criar confusão com suas declarações absurdas e se abster de esculachar ainda mais a imagem do Brasil no mundo civilizado.

O que Boris Johnson vai pensar de nós?

Vida que segue.

"