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Balaio do Kotscho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pastor Milton, juíza Joana, capitão Jair: é o Brasil das "pessoas de bem"

Em 2020, Milton Ribeiro posou com o presidente Jair Bolsonaro junto ao logo do Bope (um batalhão da polícia no Rio): "boto minha cara no fogo por ele" - Foto: reprodução/Twitter
Em 2020, Milton Ribeiro posou com o presidente Jair Bolsonaro junto ao logo do Bope (um batalhão da polícia no Rio): "boto minha cara no fogo por ele" Imagem: Foto: reprodução/Twitter

Colunista do UOL

22/06/2022 14h48

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"Sou uma pessoa que faz tanto o bem que sou abençoada por Deus" (juíza Joana Ribeiro Zimmer, ao Diário Catarinense, falando sobre o caso da criança grávida de 11 anos depois de ser estuprada, impedida por ela e uma promotora de fazer aborto).

"Só faltou a "doutora" perguntar à vítima se ela queria casar com o estuprador" (Marcelo Campos Delavigne Bueno, no Painel do Leitor da Folha).

***

O que têm em comum o pastor, a juíza e o presidente?

São todas "pessoas de bem", abençoadas por Deus, que defendem a família (deles) e não se cansam de invocar o santo nome em vão.

Com estes fiéis seguidores, coitado de Deus. Tudo agora é culpa Dele.

Bolsonaro, por exemplo, costuma dizer que só Deus pode tirá-lo da cadeira de presidente da República, que não chegou a honrar, não importa o resultado da eleição.

No dia em que o pastor Milton Ribeiro foi exonerado do Ministério da Educação, em meio a uma onda de denúncias, a primeira-dama Michelle Bolsonaro saiu em defesa dele: "Deus vai provar que ele é uma pessoa honesta". Sempre sobra para Deus...

Hoje, Ribeiro, sem a absolvição divina, foi preso pela Polícia Federal junto com outros pastores abençoados por Bolsonaro, acusados de operar um balcão de negócios no MEC na liberação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica).

Em Santa Catarina, depois de ser promovida para a comarca de Brusque, quando o caso da criança grávida de Tijucas estourou, a juíza Joana Zimmer disse que corre risco de vida e seu único problema agora é "em relação a minha segurança e a da minha família", que colocou nas mãos de Deus, ao abrir mão de guarda-costas para não onerar o tribunal.

Ribeiro também devia se sentir ameaçado e, por via das dúvidas, além de confiar em Deus, carregava em sua pasta um revólver junto com a Bíblia, como se descobriu quando a arma disparou acidentalmente ao se apresentar no balcão do check-in no aeroporto de Brasília, para a viagem de volta a São Paulo.

A ação da PF nesta quarta-feira, chamada de "Acesso Pago", investiga, com base em documentos, depoimentos e um relatório da CGU (Controladoria-Geral da União), um conjunto de crimes na liberação de fundos do FNDE pela "prática de tráfico de influência e corrupção".

Em março do ano passado, Bolsonaro afirmou que "botaria a cara no fogo" por Ribeiro e admitiu que ele ainda iria voltar ao governo, depois de provar sua inocência. Mas, hoje, ao saber da prisão do seu ex-ministro, o capitão lavou as mãos como Pilatos:

"É como a questão (leia-se cuestão) do Milton, lamento. A imprensa vai dizer que tá ligado a mim. Paciência. Se tiver algo errado, ele vai responder. Se tiver? Se for inocente, sem problema. Se for culpado, vai pagar. O governo colabora com a investigação. A gente não compactua com nada disso".

Sim, sim, claro, neste governo não existe corrupção, a mamata acabou, como o presidente não se cansa de repetir, até alguém acreditar. Se tiver algo de errado, a culpa nunca é dele. Só pode ser de Deus porque no Brasil de Bolsonaro tem apenas "pessoas de bem".

Fico pensando como devem ser as "pessoas do mal" que não são abençoadas pelo Deus do capitão.

Neste regime teocrático-milico-miliciano em que vivemos, com as chaves do cofre entregues ao Centrão, as Forças Armadas ocupadas com as urnas eletrônicas e as quadrilhas dos vários crimes organizados tomando conta da Amazônia, os pecados do pastor Milton logo serão perdoados no tribunal das pequenas causas.

Com o bolsonarismo em marcha acelerada para o golpe tabajara, as instituições democráticas vão sendo levadas de roldão.

A operação de hoje da Polícia Federal pode ter sido apenas um ponto fora da curva, algo que fugiu momentaneamente ao controle, mas logo os Aras, Mendonças, Kassios, Torres e Liras haverão de dar um jeito nisso.

Em último caso, convoca-se o sempre alerta Ministério da Defesa (da defesa do governo).

Em tempo: num ponto perdido do mapa, uma criança brasileira de 11 anos, estuprada e grávida, continua sofrendo para saber o que a Justiça, afinal, vai fazer com a vida dela.

Vida que segue.