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Uma entrevista histórica de Casagrande e o artigo de Olivetto: qual Brasil?

O ex-jogador e comentarias Casagrande - Reprodução/SporTV
O ex-jogador e comentarias Casagrande Imagem: Reprodução/SporTV

Colunista do UOL

07/07/2022 13h27

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O que o ex-jogador e comentarista de futebol na TV Walter Casagrande Júnior e o publicitário Washington Olivetto têm em comum?

Os dois são muito corintianos. Só isso.

Na década de 1980, eles foram parceiros, cada um no seu papel, na "Democracia Corintiana", um grito de liberdade do time do povo contra o autoritarismo, em meio à campanha das "Diretas Já" e ao ocaso da ditadura militar.

A vida os separaria até geograficamente. Hoje, Olivetto mora com a família em Londres, depois de conquistar todos os prêmios de publicidade mais importantes do mundo. Casagrande continua aqui e acaba de se separar da Globo, depois de um casamento de 25 anos, onde se tornou uma voz cada vez solitária na denúncia das mazelas do futebol e da política do país.

Daqui a 100 anos, quando alguém pegar a entrevista histórica concedida nesta quinta-feira por Casagrande ao UOL, conduzida por Kennedy Alencar, com a participação de Milly Lacombe e Maurício Stycer, e comparar com o artigo publicado por Olivetto no Globo sobre as belezas do Rio de Janeiro, vai certamente se perguntar: de que Brasil eles estão falando? Será o mesmo país?

Ao final da entrevista, entrevistado e entrevistadores pareciam emocionados com o que tinham acabado de falar e ouvir - um retrato em preto e branco, sem retoques, da grande tragédia brasileira dos últimos anos.

Nenhum líder partidário, cientista ou comentarista político foi capaz até agora de descrever, com tanta precisão e contundência, o que foi feito do nosso país pelo bolsonarismo em marcha, que se alastrou até pelo futebol, o grande palco de onde Casagrande comenta a completa destruição das instituições e da ética, no embalo da exaltação da violência, da ignorância, da homofobia, do racismo e da covardia, numa completa inversão de valores.

"É um ser nocivo, é isso: o pior brasileiro na face da terra, o pior presidente da história do Brasil", resumiu o entrevistado no pinga-fogo do final do programa, ao definir Jair Bolsonaro.

O contraponto deste Brasil degenerado em todas as estruturas da sociedade foi publicado dias antes pelo meu velho amigo Washington Olivetto na coluna "O Rio de Janeiro continua lindo" publicada no Globo, em que descreve os idílicos dias passados na cidade pelo seu filho com quatro colegas de escola de Londres. O pai foi seu orgulhoso guia.

"Foram dias absolutamente inesquecíveis para aqueles rapazes, que ainda tiveram, no meio de tudo isso, um café da manhã no Talho Capixaba, uma visita à livraria da Travessa, uma passada no Aprazível, algumas paqueras correspondidas, uma bela caminhada por Copacabana com direito a paradinha no Copa, um almoço com o Lulu Santos e o Clebson no Nido e um jantar no Margutta com o Jorge Ben Jor (,..) Ficaram na saudade e com uma sensação que Theo resumiu bem quando perguntei o que eles tinham achado da viagem:

_ Pai, é simples: ainda nem começamos a faculdade e já fizemos uma pós-graduação da vida".

Na vida boa da elite carioca, certamente, que pode frequentar estes ambientes, e não na vida dos brasileiros sem grife.

Para conhecer o outro lado do Brasil, bem que Olivetto poderia convidar Casagrande para servir de guia aos meninos na próxima pós graduação da vida.

Sobre a alienação dos jogadores de futebol e também dos comentaristas esportivos, hoje dedicados mais ao entretenimento, fazendo gracinhas, diz Casagrande:

"A vida não é só festa e iate. A vida do povo brasileiro não é em mansão, não é andando de Ferrari. Nosso povo está passando fome, e o jogador de futebol ostenta isso nas redes sociais, em vez de falar de coisas úteis e cobrar situações, se colocar como solidário".

Se eu fosse o Pedro Bial, convidaria esses dois corintianos ilustres para debater a vida dos brasileiros numa entrevista a dois. Poderiam se lembrar dos tempos da "Democracia Corintiana" e dos caminhos que trilharam depois, para ser o que hoje são e pensar o que pensam do país.

Mas, afinal, perguntaria o caro leitor, por que, afinal, Casagrande saiu da Globo? Ele responde:

"Nunca fui censurado. Nunca me falaram nada. O que eu senti foi que meus posicionamentos sociais, políticos, dentro da TV Globo, não tinham mais eco interno de meus companheiros, e antes tinha".

Figuras como o sempre indignado boleiro Casagrande, que falam o que pensam, sem pedir licença, são infelizmente cada vez mais raras no futebol, no jornalismo, na televisão, na política e em toda parte nesse nosso país em que o povo parece anestesiado, conformado com a desgraça em que vive de esmolas e auxílios, sempre à espera de algumas bondades do poder em troca de seus votos. .

Vale a pena ver os quase 90 minutos da entrevista de Casagrande, aqui no UOL, e ler o texto do Olivetto, no online do jornal, duas visões tão antagônicas quanto reais de um mesmo Brasil, visto do andar de baixo ou do andar de cima de uma sociedade que nunca deixou de ser escravocrata, separada ainda em casas-grandes (sem trocadilho) e senzalas, como diria o velho filósofo popular Mino Carta.

Vida que segue.