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OPINIÃO

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Estratégia ousada ou tiro no pé? Lula corre risco de ficar falando sozinho

Bandeiras do Brasil e da China são vistas enquanto o presidente Lula dá entrevista coletiva após sua reunião com Xi Jinping, na embaixada do Brasil em Pequim - Tingshu Wang/Reuters
Bandeiras do Brasil e da China são vistas enquanto o presidente Lula dá entrevista coletiva após sua reunião com Xi Jinping, na embaixada do Brasil em Pequim Imagem: Tingshu Wang/Reuters

Colunista do UOL

18/04/2023 12h29

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Se foi uma estratégia ousada, ainda não consegui entender aonde Lula quer chegar com a sua tese da falsa equivalência pela responsabilidade na guerra entre Rússia e Ucrânia, um país invasor e outro invadido.

Política externa não é muito minha praia. Deixo isso para meu colega Jamil Chade, que hoje publicou a coluna "Política externa de Lula vive momento decisivo", cuja leitura recomendo. É o melhor e mais equjlibrado resumo sobre a estabanada entrada do presidente brasileiro no cenário desta guerra, que causou forte reação negativa dos nossos aliados americanos e europeus, e só agradou à Rússia.

O que Lula e o Brasil ganharam com as declarações do presidente? Até onde minha vista alcança, as entrevistas de Lula em nada ajudaram o país a ser um mediador neutro no conflito. Nenhum dos outros 130 países que mantém uma posição de neutralidade na guerra manifestou-se até agora para apoiar o "Clube da Paz", proposto pelo nosso presidente, para promover um imediato cessar-fogo na região do conflito.

Disse Lula:

"O presidente Putin, não toma a iniciativa de parar. Zelenski não toma a iniciativa de parar. A Europa e os Estados Unidos continuam contribuindo para a continuação desta guerra. Temos que sentar à mesa e dizer para eles: ´basta!´".

Tudo bem, mas quem vai se sentar à mesa com Lula, e qual é a sua proposta concreta para alcançar o cessar-fogo? Não basta Lula querer acabar com a guerra. Quem são os seus principais aliados nessa nobre missão? Até agora, clamando no deserto, ele corre o risco de ficar falando sozinho, tantos são os interesses em jogo nesta disputa entre os dois blocos hegemônicos da nova geopolítica mundial.

Sejamos realistas: nesse jogo, o Brasil ainda é time pequeno, por maior que seja o prestígio reconquistado por seu presidente nos grandes fóruns internacionais, depois de quatro anos de destruição da nossa política externa.

Afinal, o que teria levado o presidente a subir o tom nas suas críticas aos aliados da Ucrânia reunidos sob o comando dos Estados Unidos na Otan, países que defenderam a democracia brasileira e a posse de Lula na última campanha eleitoral?

Não acredito que isso tenha partido do sempre sensato Celso Amorim, o grande mentor da política externa brasileira nos governos do PT, que costuma estabelecer um objetivo claro e factível a ser alcançado ao traçar uma estratégia.

A impressão que me dá é que Lula agiu por impulso, confiando demais no seu feeling, ou seja, deu um tiro no pé ao dar a cara para bater, tanto lá fora, como aqui dentro, sem ter nada a ganhar no curto prazo.

Nem Bolsonaro e Moro juntos causaram tanto estrago à imagem do presidente e do seu governo como Lula vem fazendo, ao jogar contra o próprio patrimônio, alimentando as redes sociais dos seus inimigos e dos porta-vozes da "direita liberal" na mídia, todos com a mesma pauta e o mesmo discurso.

Chega a ser um desperdício de recursos e de talentos, pois todos os comentaristas falam as mesmas coisas, como se obedecessem a um "apito de cachorro".

Com isso, Lula ofusca bons momentos do governo, como já aconteceu ao ressuscitar o fantasma de Sergio Moro no episódio do combate da Polícia Federal ao crime organizado, que ameaçava o ex-juiz.

Agora, a histórica viagem à China, que recolocou o país no mapa do mundo, com tantos acordos importantes assinados entre os dois países, ficou em segundo plano, e só se fala das explosivas declarações de Lula sobre esta guerra de um lado só na Ucrânia, que continua do mesmo tamanho.

Jamil Chade lembra em seu artigo que Lula terá oportunidade de dar demonstrações claras sobre a sua posição no conflito, como facilitador para um diálogo que estabeleça o fim da guerra, durante a viagem que fará para a Europa nesta sexta-feira e, em maio, na cúpula do G7, "bloco coeso e que vai pressionar por uma declaração de condenação contra Moscou", como o Brasil já fez em outras ocasiões.

Está na hora do presidente Lula baixar um pouco a bola e tomar mais cuidado com o que fala, principalmente no exterior, e se dedicar mais aos desafios domésticos, que se avolumam, para colocar a casa em ordem. Devagar com o andor, que ainda estamos apenas no quarto mês de governo.

Tem muito tempo pela frente para acertar o rumo e o prumo, e colher resultados positivos. É só não marcar gol contra.

Vida que segue.